Esculpida pelo inverno

O corvo doloroso grasna pela manhã,

Dobra minha espinha,

À altivez de um frio horroroso...

Curvo-me ante o fio da canção,

Como me curvaria ao entono jocoso,

Do corte de uma adaga,

Seu dorso Guiando-me pela névoa gelada,

Cortava a sinistra melodia caída do seu bico,

Em cada gota maltrapilha e orvalhada,

Dos passos quebrados às folhas da madrugada,

Perdidas na solidez carneada e rubra,

Rente a tola mesura do outono

Completando as frases mudas da poesia;

Sabes, que, ao badalar da aurora,

Preenches com estrelinhas brilhantes

As entrelinhas distantes do meu uni-verso;

já me apetecendo a fronte calorosa,

quando tu rói meu peito com amor,

és um ratinho divertido ,

que destrói com fidalguia a frágil rosa

Poço de Minh ‘alma ;

Corrói meu coração de pedra,

Dor ardente perante a lembrança do seu corpo,

Fatiado ao olhar doce da esperança,

Vendo-a perder-se insone,

Encoberta pela distância,

Tida como a vingança sincera,

Crente de ser mais dolorida que a minha fome,

Esculpida pelo inverno,

Onde teu rosto mascarou-se de tépido;

Em seu eterno fragor

Para que pudesse vê-la chegar com amor,

Trazendo no teu abraço,

A vela dos círios cumpridos pelos meus passos,

Guardando um calor colorido

Ao céu perdido no torpor da primavera,

Derretida no meu peito

como favos cheios do seu mel...

Sua vida não é regida por acasos.

As provações que o visitam visam

a fortificá-lo, lapidá-lo, despi-lo de inferioridades

que o infelicitam há longo tempo.

Chico Xavier