DISSECAÇÃO DO ABANDONO
Subjetivei o lado seco da noite
Umedeci teu corpo acordado
pelo convite sagrado do poema.
Dissequei a palavra abandono
e nela encontrei a tua nudez...
O abandono é a palavra-chave
da luz lacrimosa de teus olhos.
Ao escavar a tua renúncia
nos desencontros cravados,
senti-me na Tróia do verso..
lutei por uma batalha vã,
perdi,
levantei do pó,
rastejei teu corpo no barro
e retornei ao tempo
que tu eras o verme
a roer meu sangue seco.
Pois aquele minuto eterno
de teus passos gritantes no corredor,
eu guardei no baú de memórias.
E nas chaves enferrujadas do tempo:
retirei cada beijo não dado
despi o desejo de teus cabelos
sob o óleo na pele de meu verso
que geme pelo orgasmo duplo da poesia.
Hoje eu canto a ti a palavra cândida
não mais a poesia da ausência tua.
Celebro a poesia da certeza
A poesia de uma década
A poesia infinda e abrupta
A poesia ininterrupta
dos encontros desmarcados
do verso que meu corpo não lhe escreveu.
E portanto, nem mais que um pranto,
nem um instante,
cambaleio como o menino que ri
pela torta de chocolates encontrada no lixo...
Porque até o teu abandono é poesia em mim.
(Da obra A TODO AMANTE, Rosidelma Fraga).