Amor liquefeito
lentamente pus os sapatos em meus pés
e amarrei os cadarços com uma fraca esperança
de um retorno
ou de uma palavra que algo diz
recebi aquele olhar atônito e fugaz
de quem ali só está em corpo
e que, por dentro, uma fusão de desconforto e orgulho estufa no âmago
eu parti sem retorno
como tantas
e tantas vezes o fiz
como tantas vezes chorei convulsionando
cansada da luta
cansada de um amor construído de pranto em pranto
como se fossem tijolos em que na primeira ventania se partem
eu não quero um amor liquefeito
que só em mim existe e permanece
meu corpo se desfaz num orvalho de arrependimentos e dores
e um afeto já gasto e cansado assola no peito
e, depois de um tempo incalculável
traguei num cigarro o intragável sabor de uma solidão tardia
solidão essa sempre presente
e só agora vista