A Chuva e a Donzela

A chuva é certamente a vida:

o barulho lá fora, a terra nutrida.

Já é muito tarde. Segue adormecida

a bela donzela, parece esquecida

do cheiro da chuva que vem pelo ar.

Mostrar que ela sabe porque que ela vem.

As plantas se alegram, o gado também.

Parece que agora não quero ninguém.

Se a chuva inunda, abrigo não tem.

Mas se ela só molha, é tão bom se entregar...

Não sei explicar. Quero agora correr

ou quero é ficar na janela pra ver

os pingos que batem com força no chão,

as gotas no zinco as pancadas que dão.

Ouvir o que dizem é quase sonhar.

A bela donzela acordou de manhã,

sabendo que é ela a anfitriã,

e foi logo ver como estava o quintal:

se a chuva fingiu que era um temporal

ou se ela só quis minha sede aplacar.

O sol minha bela donzela não sente.

É tanto o frescor que ele fica indolente

e usa seu brilho tão timidamente

que aquele rastilho, um dia tão quente,

agora é somente pra iluminar.

E os pássaros... gritam, falam, conversam,

estão tão felizes que não se interessam

em se reunir pra saber onde vão.

Está tão verdinha a vegetação

que a sua intenção é não ir trabalhar.

Mas a Natureza ordena, não pede.

E muita beleza é o que me sucede

ao ver na janela a bela donzela

e os passarinhos passando por ela,

deixando seu ninho pra se alimentar.

Alegres se vão no frescor da estação.

A bela espia com satisfação,

enchendo o pulmão com o ar da manhã;

a brisa sutil, cheiro de hortelã,

o corpo coberto pelo peignoir.

Até lá no tronco da grande jaqueira,

ou mesmo nas folhas da nobre palmeira,

os beijos da chuva se fazem sentir.

E a vegetação só quer sucumbir

ao doce prazer de querer se molhar.

A bela donzela não sai da janela.

Quem dera eu pudesse trazer-lhe aquela

beleza maior, a rosa vermelha,

pingada de chuva caindo da telha,

a sua orelha querendo escutar.

Mas eis que me vou, a jovem se vai.

A chuva cessou, do céu já não cai

a água que seca a sede de nós.

Das plantas, do gado só ouço uma voz,

parece que têm do que reclamar.

Janela fechada. Donzela distante.

Fugiu apressada, mas, exuberante,

surgiu na calçada, bonita, elegante.

Não quer ser molhada, é muito importante

que a chuva permita que ela se vá.

Rio, 26/04/2005

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 08/07/2017
Reeditado em 08/07/2017
Código do texto: T6048751
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