Sobre o que em mim jaz
Não fomos mais do que andarilhos,
Estranhos um ao outro,
Que, no bamboleio inconstante da vida,
Por um segundo pararam, entreolharam-se
Para, por fim, seguirem o curso do rio do Fado.
Adormece em mim vestígios de dias únicos,
Vividos com sorrisos e esperança.
Sequer houvera espaço aos avisos
De meu coração pessimista.
Sequer a consciência de uma condenação ao degredo, pela Vida imposta,
Levara-me ao recuo da intenção de amar.
Atravesso madrugadas a construir pensamentos
Que concatenem a você uma espécie de culpa.
Cultivo uma raiva vivaz.
Vem-me, em concomitância, um vazio irritante
No que de mim resta.
Há em mim um buraco e este, temo,
Terá para sempre a forma de tua ausência.
Será que ainda pensas em mim?
Por certo que não.
No algures da vida, creio que tenhas encontrado distrações,
Outras vidas, menos estranhas,
Terão, por certo, por seu caminho cruzado.
Dói-me cada pedaço do fato de não ser eu
Mais que um sombra alheia em tua memória.
Dói-me, deveras.
Conjecturo um reencontro.
Se o exercício tem início sombrio e dúbio,
Não tardo em perder-me em uma patética alegria -
De tanto que, a teu lado,
Acostumei-me feliz.
Não haveria, de fato, espaço à minha raiva abstrata - porque abstrata.
Acabada esta ficção, iria ter com as lágrimas
Uma conversa já conversada.
Agora, dê-me licença,
Pois não quero, prolongando-me,
Ter de ir buscá-las.