Já disse que tudo que escrevo é um constante "me repetir"
Já disse que tudo que escrevo
é um constante "me repetir",
(não canso disso, será minha sina)
de resto, nossa moderna idade
é um espelho na frente de outro
espelho - não se vê por aí
nada além de repetições.
Quem discorda do mote acima
certamente tem sua razão,
razão líquida, incerta mas própria,
razão de quem se repete exaustivamente.
Não sou matemático, nem
um pouco exato. Dimensionar
sentimento é como tentar em vão
aprisionar fogo-fátuo (paciência).
O poeta, se não sente, inventa outra pele
para ser sua de verdade a dor que pena.
Esse tema da indiferença é velho motor
da Poesia, mas há quem não o entenda.
A dor que o poeta realmente sente
é a dor da falta ora mínima, ora extrema
que ninguém explica; como se para ser
fosse preciso um não-ser a sentir por ele.
E não se trata de "amigo imaginário",
não mesmo!
um poeta geralmente colori
inimigos e monstros para amar
profunda e perdidamente.
Mas poeta que se preze não finge
como ainda leem desatentos
alguns leitores de Fernando Pessoa.
Não! o poeta pressente a falta
da falta do que nunca teve e aumenta,
o bom poeta realmente nunca mente.
Desde que 'eu me entende',
sei que quando um poeta desdém
ele está comprando elegantemente
na falta presente a dor de toda gente.
Veja na minha história esse caso infantil,
aos quinze anos eu não amava ninguém
mas amava sentir a falta de amar alguém
como se já tivesse amado muito e perdido.
Eu criava outro de mim só
para descobrir-me sozinho.
Nesse torpor, eu tinha amado perdidamente
e sofria a perda imensa do que não tinha
e doía antecipadamente não ser correspondido.
Adolescentes... Será que tem idade para
amar de verdade? Hoje entendo
que não queria sofrer tanto assim
- nem aos quinze, nem ontem
e imagino que mês passado
me dei de presente um amor verdadeiro
desses que a gente não guarda
porque de fato não o tem nas mãos.
(ter é chato, a gente perde se guarda,
o bom do sentir amor é gastar
ininterruptamente - olha eu me repetindo!)
O que sei é que desde ontem sou menos infeliz,
e que deixei de ser poeta se um dia cheguei a ser.
Porque para sentir em dobro basta a chuva
que não pede nada e rega quantas flores
souber molhar sem dizer uma só palavra.
*
*
Baltazar Gonçalves