Retrato
Esta noite reflete minha frieza interior
Mariposas rodopiam sem encontrar quentura
Violas não entoam seu som de amor
A brisa da noite castiga na frescura.
Nos bancos mendigos adormecem
Cansados por fome e busca de alimento
Os bêbados tropeçam na rua deserta
Mulheres vendem o corpo sem sentimento
Ouço o gemidos dos doentes aflitos
Cheiro de corpos moribundos invade o ar
As crianças deitadas no chão frio e sujo
Torna-se uma triste paisagem a contemplar
A dama da noite não desabrochou
Por ter visto uma nuvem esconder a lua
Tristeza e lamento no canto do sonhador
Contaminado pela dor que via na rua
A bebida e a fumaça exalavam o torpor
Dos dependentes de carinhos na solidão
Foram seres normais transmutados na dor
De terem-se perdido numa grande paixão
A noite está indo e o dia amanhece
A descrença toma conta da alma
O corpo cansado também adoece
Nem percebe a manhã que vem calma
A vida está sem brilho e sem cor
Ofuscada pela névoa sentida
Um simples retrato preto e branco
Colocado numa moldura partida
Lágrimas rolam caladas no peito
O olhar perdido sem esperança
Colorindo por vezes a outra imagem
Que perpetua na minha lembrança