Coisas nossas
Meu sonho é ter uma casa na beira do nada, mas que seja
abismo; só eu e você. E que lá nasça um sol sempre morno
e bons pensamentos. E ele, o sol, batendo na terra de ondulações, desértica e vermelha, reflita no ar o tom de quando se põe, de
forma a nos causar a dúvida sobre as horas. Dormiremos na noite
clara, mas não luminosa, apenas alaranjada, sem que isso atrapalhe
o sono que a treva faria. Que lá chova forte quando bem quisermos,
que corra um rio, que tenha uma estrada beirando as nuvens, que
cresçam frutas e flores, que haja música, também outras coisas
nossas, e que as saudades da casa paterna habitem bem à nossa
frente, como hologramas materializando pai e mãe. Nunca mais
exista dentro de nós qualquer ordem de saudade dolorosa e sem pagamento imediato. Eu quis tanta coisa, né? Eu fico me perguntando
se isso tudo, realmente, poderia estar na beira do nada!