julho
escuta. não sei.
o tempo passa arrastando tantas certezas.
acho que o amor é uma delas, sabe.
a chuva que cai agora não é exata,
carrega a certeza da terra;
desfaz-se em ondas pequenininhas
pela rua de minha casa.
no tintilar prateado na tardinha que segue
vejo folhas amarronzadas e mofas
misturarem-se às verdes
e à terra e à água que corre inexata e não é mais chuva.
eu não sei bem como,
mas, acho que as estrelas - que se escondem
por detrás das espessas nuvens sombrias que avisto distante, -
são suicidas apaixonadas.
talvez não sejam deusas habitando o infinito do verso
- nem tão uno assim,
talvez sejam apenas loucos pontos de luz
disfarçando mediatrizes, retas, quadrângulos;
indecifrável círculo obtuso e absoluto.
não sei. talvez sejam sorrisos do mistério,
que pulsando violentamente,
explodem-se para implodir-se
devorando o tempo no espaço do todo.
louco, talvez eu esteja delirando
com a febre de tentar entender o espírito das coisas.
entender as coisas em suas cisões; imprecisões,
as coisas que são porque talvez jamais nem tenham sido;
é. as coisas cindidas, rachadas;
partidas em seus mistérios invioláveis.
dá-me a tua mão.
o amor é um mistério alontanado das certezas;
um vôo em precipício,
as águas irrepetíveis de um rio,
a tempestade sob asas de borboleta,
a verdade da criancinha
que se precipita contra a poça d’água.
vê? ali, logo ali. mas, eu não ligo.
o amor não precisa mesmo ser preciso.
escuta. eu não sei ao certo. vem cá.
segura em minhas mãos.
segure-as fortemente
com a leveza do vento que toca a nossa cara
e ao fazer amor com a brisa e a chuva
emprenha-se da alma de furacões.
tome as minhas mãos como o orvalho que, amado pelo noite,
desliza-se túmido sobre a face da pétala madrugada
censurada pelos primeiros raios de sol.
toque as minhas mãos. só um pouco,
e a minha memória estará ninada pela tua lembrança
como um poema que nina o espírito de beleza das palavras.
sabe, tenho medo.
acho que é coisa séria ter medo, não?
quem não tem?
arrepia-me a idéia do beijo que jamais te dei
ou do beijo que te dei
e que não passou de uma ‘mentira’
tão verdadeira, assim, tocada de desejo
como um eros apaixonado; transgressor.
o mundo anda tão revolvido em ódios.
acho que isso também é sério, não?
quando foi mesmo que a paz deixou de ser prostituta?
aqui nessa cidade, nesse rincão do mundo,
onde a metafísica parece tão empobrecida
e a tabacaria tão desprovida de poesia… e de metafísica,
vejo-me sem me ver,
aqui, debaixo desse céu como qualquer céu,
sob esse teto amarelado de uma casinha do interior.
anda. sente o tremer de minhas mãos.
o meu coração pulsa dentro delas
como uma esfera irregular;
sem nenhuma exatidão necessária.
sabe, há uma greta na superfície de meu pensamento.
fico esperando a luz entrar
como o calor da lava no princípio dos tempos
trouxe a vida pelas rachaduras do mundo.
quando me descobri te amando
percebi que em tudo há uma fenda de mistério,
como uma fissura sobre a tessitura do mar, cioso,
enroscando-se com o vento,
amando-o por milhas e milhas até à praia;
marulho, ondas, areia, céu;
um beijo, o sexo,
o ar riscando a derme das flores
na costa leste da América Austral.
caminha, dá-me a tua mão. é sério.
tudo é inexato. não há aritmética
capaz de explicar a soma dos enlaces de amor
como não há geometria que explique
o ângulo pendular de teus lábios abrindo-se para o teu sorriso.
é. eu te amo de tão inexato que sou.
e a chuva samba comigo
nesse inverno que entranha as águas no ventre da terra.
sim, tudo é tão inexato, absurdamente, inexato,
sem a tranquilidade da irrealidade dos perfeitos.
mas, dá-me a tua mão.
dancemos a beleza do potencialmente possível,
sejamos o vôo para a teimosia no amor.
vem. eu sou serpente e tu arco-íris!