Doce Caparica
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Não se faz ouvir a cava rouquidão das ondas
A maré está calma e o mar azul claro
está chão, apenas afagado pelo vento.
Não há céu.
Apenas o brilho esbranquiçado
da neblina. E a linha do horizonte é uma estreita faixa
fosforescente donde
se destaca o vulto impreciso dos petroleiros
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Estou como sempre
nesta larga esplanada
separada da praia
pelo paredão.
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Metade da cidade
vem para aqui
gozar-se deste perverso
sol de inverno
que não deixa chover
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Jovens e velhos. Famílias inteiras. Crianças que correm
desforrando-se
da prisão dos infantários,
guinchando de alegria.
Cães puxam os donos
pela trela.
Desportistas e
aleijados.
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E cada vez é mais avantajado
o punhado de mulheres sós
onde me incluo.
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Jovens trazem os livros de estudo
e resolvem os TPCs.
As velhotas trazem
as revistas do coração
e os homens,
os semanários.
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...Mas com livros pesados, talvez romances, e folhas A4 –
só me verás a mim...
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O sol desce.
É um sol de ficção.
Um sol de Fim dos Tempos...
Apenas uma auréola coada
pela estufa...
...Mas como diria o Poeta,
continua a espelhar-se na superfície
azul mate ondulada pela brisa...
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E chega a apoteose do meu dia solitário!
...O céu tinge-se de vermelho!
...E eu pago a despesa e
vou andando pois
a noite é falsa e
não tenho companheiro nem
cão de guarda
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© Myriam Jubilot de Carvalho
Café do Mar - Costa de Caparica, 29 de Janeiro de 2005
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