Lembro-me: tinhas dezoito somente

Lembro-me: tinhas dezoito somente

quando te achei nos jardins pós-modernos.

Teus olhos eram brilhantes e ternos

mirando as flores silenciosamente.

Não as colhia, dizendo, clemente,

que elas morriam em mãos delicadas

por precisarem das terras molhadas;

que as mãos mais quentes, macias e puras

são para as flores horrendas torturas;

que Deus as fez para serem olhadas.

"Fica", disseste, "olha as flores comigo,

fica um momento por estes recantos."

Tinhas a voz para límpidos cantos:

eras sereia, cedi ao perigo.

Sentei na terra, fui jovem amigo,

fui para as flores e quis ser a ti.

Muito sorrias, mas mais eu sorri

naquele tempo em que éramos puros.

Foi o final dos severos apuros.

Nesse jardim, vi a vida e a venci.

Foi-se algum tempo, a mulher tinha vinte,

eu me esquecia do que era sofrer,

dos meus momentos de vão desprazer.

Dia seguinte ia a dia seguinte

e eu comecei a viver com requinte,

a conhecer o que apenas sonhara;

toda essa luz se tornava tão clara!...

toda essa fé se tornava tão física!...

toda a ciência falava da lírica!...

até o planeta era a cousa mais rara.

Então, na eterna colcheia do amor,

quando raízes notei em meus pés,

e eu já não era, senão ao revés,

eu me entreguei ao sublime da dor.

Eras tão bela, o teu beijo de flor,

as tuas faces que viviam, viviam!

Quando teus dedos em braille me liam,

o que tocavas tornava-se casco.

Eras do antigo meu eu um carrasco.

As minhas folhas de um verde cresciam.

Nem pude ver-te fazer vinte e dois.

Perdi meus olhos às coisas do tempo.

Sinto nas faces a força do vento

mas não me lembro do tempo depois.

Tu e o jardim... diferentes não sois.

Percebo agora que viro-me planta.

Minha raiz aos cabelos teus anda,

eu não existo mais longe de ti.

Naquele dia em que vi, bem aqui,

tu com as flores, tão quieta, tão branda...

...naquele dia mudou-se meu rumo.

Agora que enxergo o perfume das flores

como fumaça abundante, com cores,

eu me tornei dependente do fumo,

que, em desespero consumo, consumo.

A cada beijo que dás me impressiono

um pouco mais com a vida de sonho

que vou levando, feliz, no jardim.

Como é feliz que gostaste de mim!

Como é feliz ser o rei deste trono.

A cada dia a garota pequena,

santa, a adorar suas flores felizes

torna-se mais por do tempo deslizes:

uma mulher mais florida e mais plena.

Tempo, que fazes? Maluco sem pena!

Mas escultor das maiores belezas...

O tempo dá mais e mais sutilezas

que te transformam em mais a cada ano.

Que te transformam em mais ser humano.

Erguem-se a nosso redor fortalezas.

3, 4, 8, 9, 11, 12/10/2019

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Feliz aniversário de 22 anos, Abelha!

Malveira Cruz
Enviado por Malveira Cruz em 16/10/2019
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