Saudade do primeiro amor

Que saudade eu sinto
da saudade que eu sentia,
do ardor da paixão,
do palpitar do coração,
da ansiedade louca de cair nos teus braços,
de ouvir a tua voz dizer: estou com saudade.
Minha paixão é ainda me sentir apaixonado.
Vejo o amor encurralado num canto do peito
a balbuciar juras inefáveis,
tentando sufocar a mágoa
que o estrangula a cada dia.
Que saudade eu sinto de ser amado,
de ser seu príncipe encantado.
Que lamento passo de não ter te ignorado,
de não ter te abandonado
quando ainda era possível suportar.
Quisera não ter provado o fel,
e nunca ter tomado o mel
que corre nas veias deste amor.
Por que correr aos braços de quem me ama?
Se não há mais a chama
e não quer mais o meu abraço,
e desejar os lábios que não queimam mais a minha boca?
Sinto falta de não ter de quem ouvir:
sinto falta de você.
Saudade do amor que ardia no peito,
e me fazia sentir a dor gostosa da saudade,
da ansiedade que contava as horas
para abraçar de novo,
para amar de novo
e sentir o calor intenso do beijo molhado,
do riso latente de felicidade.
Saudade de não querer se afastar,
para não sentir saudade.
Saudade da credibilidade, da confiança,
dos bilhetes, das cartas de amor,
das confidências, do amparo,
de ser o amparo, o ombro amigo,
de desejar e ser desejado,
de amar e ser amado,
de pensar que você pensa em mim,
de achar que a melhor mulher do mundo
acha que eu sou o melhor homem do mundo.
Saudade de tanto amor,
de ser teu herói, o cavaleiro dos teus sonhos,
quando eu era o destemido que matava o dragão.
Saudade de ser gentil, romântico,
de receber o teu sorriso,
de beijar teu queixo,
de sentir meus lábios percorrerem tua nuca,
das minhas mãos explorando o teu corpo,
de te dizer no ouvido:
só você existe pra mim.
Teus olhos fechados,
teu corpo entregue aos meus carinhos,
tua pele macia, carícia a carícia,
o mundo se esvazia:
só existimos nós dois.
Saudade de quando nosso amor é luz,
a razão que me conduz
de volta para casa.
Saudade da vida,
antes da ferida
que abalou o nosso amor.
Saudade de te olhar nos olhos,
tomar a tua mão na minha mão,
e te pedir perdão.
Desejo de recomeçar, esquecer,
de novo viver o nosso amor,
imensurável e vibrante,
como um novo amanhecer.
Vontade de arrumar a casa, encher de flores.
De ontem, só o lixo se recolhe.
Sejam banidas as mágoas
e o oleiro restaure a nossa confiança mútua.
Que a dor que casou a tristeza
sirva apenas como sinal de alerta
para que não nos machuquemos mais.
Nosso amor é forte, de raiz indestrutível,
que sobrevive intempéries mil,
ainda que sofredor, benigno:
não busca seus próprios interesses,
que tudo crê, tudo espera, tudo suporta,
que jamais acaba, jamais desaparecerá.
Amor que as muitas águas não podem apagar,
nem os rios afogá-lo.
Que os teus lábios de novo destilem o mel.
Mel e leite estejam de novo debaixo da tua língua.
Que sejas de novo minha e eu de novo teu.
Ainda que tenha perecido a nossa força,
e também a nossa esperança,
e as lembranças de nossas a aflições
e de nossas amarguras estejam doridas,
busquemos com toda a nossa alma momentos felizes.
Trague-mo-los à nossa mente e tenhamos esperança.
Que o nosso amor seja como as misericórdias do Senhor:
se renove a cada manhã,
e seja grande a nossa fidelidade.
Que o Senhor nos abençoe
e nos permita levantarmos de manhã
e irmos as vinhas ver florescerem as vides,
se estão abertas as suas flores,
e se as romanceiras já estão em flor.
Então, ali nos daremos,
nos entregaremos,
em amor, um eterno amor
para nunca mais sentirmos
SAUDADE!


Textos inspiradores:

Cantares de Salomão 7.12;
Cantares de Salomão 8.7;
I Coríntios 13.4,5,7,8;
Lamentações de Jeremias 3.21-24



Este texto faz parte da coletânea Alma Nua de Ivo Crifar, pela editora Baraúna.