estrela de Scholz
1.
Onde brota
o sorriso teu
– eis a minha
pátria
eis a minha
nuvem
a chover
em outro
continente
2.
O meu amor
abriga cores
e nome
e sobrenome,
mas mora
longe,
tão longe, que
o ruivo
dos seus cabelos
se escondem
se desmancham
na pintura crua
do luar
3.
Não sei se o amor,
este substantivo
andrógino,
pode existir
acima das
constelações
batizadas
ou entre
os operários
que se camuflam
no fundo
de uma fábrica
onde a luz
é pouca
e a esperança,
escassa
4.
Os réis os cruzeiros
os cruzados
e os reais
tributam tanto este
meu fragmentado
coração,
que me indago
se apenas este meu
amor
é capaz de
converter a distância
oceânica
numa distância
de quarteirão
5.
Chafurdo na lama do
indizível
com a face
a rasgar-se
nos muros
ilustrados:
hei de tingir
esta cidade
com a inteira geometria
dos teus olhos
altamente
perigosos
hei de atingir
esta cidade
com a intensa geografia
do teu sorriso
que pode
a aurora
chamar
6.
São tantas as curvas
das avenidas
em que me arrasto
em que
me perco
sem nunca
me/te
encontrar,
que volta e meia
me olho
nas poças
do ontem
para sentir
o quão intocáveis
algumas
coisas
estão
das minhas
mãos
7.
Arrasto-me entre os
dejetos da era
industrial largados
à ferrugem:
os dias
as semanas
os meses
os anos
e os séculos
fogem
no farfalhar
das folhas
que
lentamente
se fecham
em seu próprio abismo
que
lentamente
se afundam
em seu próprio
infinito
8.
E era o sal
e era o sangue
e era o sol
e era o perfume
da hortelã
a invadir-me
com a tua
verde
lâmina
de açúcar
enquanto algumas
frutas
olvidadas
apodreciam
nos círculos familiares
e nos convívios
daquela tarde
onde
a nostalgia
era clara
mais que clara
clara
e a saudade,
um pássaro-relâmpago
que voava
e que levava
na intimidade
das asas
a nossa parte vivida
na epiderme
da América Latina
9.
Pássaro-relâmpago
que estará
para sempre
perdido
no vento
deste hemisfério
quando
outra ave – decerto
um galo – proclamar
o começo
de uma nova manhã
10.
Indiferente
e irreversível
o tempo foge
e quase tudo
se perde
e quase tudo
me escapa
enquanto penso
em algodoeiros
em jabuticabeiras
em mamoeiros
em cajueiros
em bananeiras
em limoeiros
em mangueiras
em laranjeiras
em ipês amarelos
e nas tuas flores
de cerejeira
*
*
a saudade cultiva-se
e floresce
num vaso
de demasiada
solidão
enquanto nos
abraçamos ao
relento
em setembro
num profundo
silêncio
*
*
*
Constantemente
morreremos
sem nunca
de fato
termos
vivido