palavra tardia
O amor é a ventania
que nos arrasta
para
o olho
d'um tornado
que destrói
de repente
– sem lampejo
de raio
sem esperança
de estrela
sem possibilidade
de
salvação:
cair em abismo azul
e manchar-se
de vermelho urucum
– nascimento português,
pensamento
castelhano
O amor atravessa
meus pulmões
com flechas
frescas
de
hortelã
O amor seca a minha
pele,
embranquece
alguns
de meus cabelos
e deixa-me
em desassossego
nas ferrovias
de fevereiro
que pode
a minha ternura
rasgar
O amor é uma palavra
tardia,
uma asfixia,
um rio de carma
que deságua
no vazio
das pedras
O amor é uma flor
carnívora a escorrer
mel e urina;
a gozar,
a gemer,
a se perder
na obscura queda
de energia
que silencia
o bairro
e insere os corpos
em suor
e em promessas
impossíveis
porém válidas
quando
os órgãos se tocam,
se acariciam,
permitindo
o trânsito
O amor é aquela que
fora cursar
medicina
na Bolívia,
e que quando
vira
o que este país
se tornaria
após
um impeachment,
dissera adeus
sem de fato
o dizer;
e então se fora
para a Argentina
– se
eras de esquerda
ou não,
já não sabes
este meu coração
O amor é a fala
estudantil da mulher
que te olhara
profundamente
e dissera que
te amaria
na manhã seguinte,
mas se casara com
outro
quando o diálogo
contigo
era o próprio
silêncio
O amor é uma perda
constante, onde
fingimos,
como poetas,
alguma
vitória
*
*
Amor:
palavra tardia,
marcha
de completa
derrota
*
*
Quem pagará
o enterro
e as flores
Se eu
me morrer
de amores?