[ sem título #5 ]

deixa

que eu adormeça

nesse teu riso

deixa

porque o frio

invadiu

a manhã

– e o café,

embora doce,

não ameniza

o que antes se fizera

numa noite

em que

se entendia

as tantas falas

ditas

em silêncio.

deixa

que eu adormeça

nesse teu riso

deixa

é na tua respiração

onde encontro

sossego

é na tua pele

pintada

onde encontro

aqueles verões vividos

na sombra

das folhas

de bananeira:

o amor

fazendo-se

muito antes

no açúcar

daquelas frutas

inda verdes

[verdes

como a esperança

ou o fogo

de teus olhos]

deixa

que eu adormeça

nesse teu riso

deixa

para que eu esqueça

o tempo

o indefeso

o modo funcionário

o canino de alguns

gestos coloquiais

a ausência

do canto da primavera

que adentrava

nos tantos

quintais

d'uma rua

onde circula

mais veículos

do que mulheres, homens,

crianças e animais.

deixa

que eu adormeça

nesse teu riso

deixa

o rádio

não mais me escapa

o pensamento

– que gira nos enigmas

dos teus passos

em mares imaginados;

o rádio anuncia

uma prece

– e penso

se o amor a ti

equivaleria à fé

e à crença

de quem caminha

na escuridão

ou no vale

da sombra

da morte

pois sinto que o amor

é uma

salvação

que brota

a partir

d'uma

inteira

entrega.

deixa

que eu adormeça

nesse teu riso

deixa

não falemos da política

e seus escândalos

não falemos das leis

e sua ineficiência

não falemos da outra América

– mas desta,

guerreira Latina,

em que vivemos

nossos momentos de afeto

sob um mesmo teto

de estrelas

e de pronúncias,

que o inglês

ocultará

com suas regras

e seus verbos.

*

*

Pergunto-me

se inda

se lembra

de que é apenas

nesta parte

que existe

a palavra Saudade,

Soledad...

*

*