O AMOR QUE ME CABE

Não canto o amor dos poetas

tão fogo ardente e bem querer

meu canto é duro e nele

não há chama nem infinitos

canto o amor dos doentes

proclamo o amor dos aflitos

todo amor sem beleza e sem brilho.

Fico com o amor dos rejeitados

dos miseráveis, dos desvalidos

canto esse amor impublicável

prefiro esse amor: terreno esquecido

o amor de quem não tem esperança

pois é um amor bruto, eu sei

mas é o que meu verso alcança.

O amor puro e galante

Deixo pra quem tem medo

eu canto o amor dos bichos

um amor sem segredo

sem fidalguia nem ternura

o amor das carnes, das línguas

esse amor azedo e sem brandura

de quem faz e não percebe a poesia

todo amor em que não haja censura.

Canto esse amor sem glória

essa é a parte que me cabe

o amor de quem não tem amor em troca

o amor de quem da flor não sabe

amor opaco das gentes, amor estorvo

é o amor de quem protesta

é o amor pelo qual me movo

é desse amor frouxo e sem virtude

que desperta, em mim, meu povo.