Novamente arrastada pelo mar.

Nado tranquilamente pela praia, quando me deparo com o início de uma onda. A principio eu não entendo sua profundidade, mas meus pés já não tocam a areia. Sinto meu corpo sendo levado pelo fluxo da água. Ele se eleva e segue o movimento naturalmente. A onda começa a se formar aos poucos, e percebo ela tem um potencial particular. Não é uma onda qualquer, não é uma onda comum, é uma onda que vai me arrastar.

O coração dispara repentinamente, e eu já não tento mais voltar à praia, seria inútil o esforço. Permito-me experimenta-la. A onda começa a tomar uma proporção cada vez maior à medida que vai chegando a praia, ultrapassando minhas próprias dimensões corporais. É tanta água que foge da minha compreensão. Quando essa onda finalmente atinge o seu máximo, ela me engole. Vou sendo levada ate a praia, numa força brutal estranhamente confortável. Naquele momento eu não penso em nada, prendo a respiração e sinto meu corpo sendo levado por um fluxo de prazer e medo.

Chegamos juntas a beira da praia, eu e a onda. Sinto o sol em meu rosto, mas não quero abrir meus olhos. Estou finalmente respirando, sob uma paz inigualável. O medo em me afogar era enorme, porém agora estou em terra firme, completamente banhada e molhada por essa onda. Eu sei que esse momento é finito, mas que seja infinito enquanto eu sentir. Estou entregue. Depois de algum tempo, inevitavelmente essa onda começa a recuar, recuar, e recuar.

Ela recuou, e me deixou ali sozinha, totalmente sozinha na areia da praia. A areia esta em todo meu corpo roçando em minha pele, e junto com ela algumas algas se enrolam em minhas pernas. Eu tenho sal em meus olhos. Simplesmente a onda regressou ao mar e eu fiquei ali, desarmada, senti como se ela tivesse apenas me jogado. Tanto medo em me afogar, e no fim não me afoguei. Mas sabe, antes tivesse, dessa forma eu ficaria pra sempre naquela onda. Não tem mais água ao meu redor. É verdade que a onda que nos traz nunca fica.

Levanto-me meio de ressaca, tomo meu rumo andando pela beira da praia. Molho os pés e isso é o suficiente, não quero mais entrar no mar, afinal ele é perigoso pra quem não sabe nadar. Se O mar já é intenso, imagina se fosse A mar? Levo minha carcaça que chamo de corpo por alguns quilômetros. Eu sei que não quero mais prova das ondas, mas a praia me convida a molhar os pés. Nesse raso que eu escolhi, sinto segurança. E ali permaneço, molhando um pouco mais as pernas, sentindo leves e inofensivas ondas atingindo meu dorso. A qualquer momento eu posso sair dessa profundidade e ir pra praia dar uma volta, tomar um sol, voltar pra água. E eu volto pra água, molho até o pescoço, mas fico sempre num lugar seguro. Encontro-me agora aproveitando mais um dia comum na praia, sentindo o chão sob meus pés, o sol sobre minha cabeça, e a água indo e vindo num movimento sutil que não é percebido por quem está fora do mar. Observo as ondas passando e levado as pessoas ao meu redor, e penso "já levei um caldo desse!". Rio.

O vento ameno molda uma leve ondulação na água. Uma ondulação tão leve e duma maciez tão intima que tira os meus pés do chão por um instante. A sensação é absoluta. É como se o peso do meu próprio corpo não me pertencesse mais. Eu sei que tenho controle, e a qualquer momento eu posso por os pés no chão. Longe da praia essa onda não parece grande, não tenho medo, mas também não encontro mais a areia do fundo. O meu corpo flui entre água, e quando percebo estou sendo abraçada pela onda.

Novamente estou sendo arrastada pelo mar.

René Yuri
Enviado por René Yuri em 06/05/2020
Código do texto: T6939617
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.