desconcerto

Toma-me hoje uma tristeza desconcertantemente singela.

Que a nada se opõe ou contraria.

Não faz escândalo ou birra.

Não se rebela, não se debate nem insurge.

Não faz drama. Não tem tragédia.

É simples como o avesso, o oposto, o reverso.

Uma tristeza que mal sofre: só dói.

Não destrói a completude.

Na verdade, não destrói nem quer destruir nada nem ninguém.

Também não cria, nem opõe resistência alguma à dor:

Deixa que seja, sem tensão, sem contenção, sem contração.

É apenas triste, sem desesperos nem ânsias.

Quando depositei minha paixão em ti

Acho que errei um pouco a mão

Exagerei um tanto

Pus demais de mim aí

E agora algo de ti me falta

Algo de mim não volta.

Fiquei qualquer coisa descompensado,

Meio suspenso no hiato de um descompasso,

Como se minha alma engasgasse.

(Tu não vens. Não vens. Foges tão sorrateiramente quanto a tristeza chega.

Tão simples e desconcertante como ela.

Retrais-te antes mesmo que eu me mova a tocar-te).

E, nestes dias, falei muito de tudo.

Falei tanto que tudo tomou cor e forma demais.

O problema é que, quando a gente fala, a gente ouve.

A palavra falada parece que materializa a emoção.

Da mesma forma que a palavra escrita a absorve.

(É a minha esperança).

Mas estou certo: melhor hoje do que ontem.

Antes eu quase morria, rompia, implodia de não ser.

Agora, minha paixão, a tua existência, o que sou e o que vejo

O que falo e escrevo, o que és e o que invento

Tudo, todos os seres e lugares, tempos e plantas

Animais e espaços, fatos e projeções:

Tudo me garante que estou vivo, íntegro, bem-fadado, na boa andança.