Diga

Diga o que vier

O que sente

O que bem quer

Diga o que renega

Por demais querer

O que não engana

Com este mal fingir

Diga que me ama

Sem se descrer

Ou prometer mentir

Diga o quanto se apossa

Do que em mim deseja

Do que me endossa seu

Mesmo que não possa

Que impossível esteja

Diga que me pede

Quando trás recusas

Na bagagem das mãos

No aposento do peito

Nos guardados da boca

E por ela diga tanto

Quanto o que calou

E muda não mudou

Palavras incertas

Que você sabe, eu sei

Em nós são vivíveis

Diga o que não passou

O que nunca expirou

E ainda cutuca

A nuca, o colo, o siso

De acalento machuca

Deixe que o ímpeto diga

Toda a jura sem juízo

Todo o risco que escrever

Com seu punho bambo

Seu esboço informal

Mas se teimar não dizer

Por orgulho ou pirraça

Me transmita um sinal

De esculpida fumaça

De grafado batuque

Num SOS do espírito

Do erradio coração

Diga de algum jeito

Gaguejado, engasgado

Inventando um refrão

Só diga de uma vez

Comichando de urgência

Como quem é comigo

Como quem sou contigo

Na poética do despudor

Antes que a trava na língua

Cravada de tanta míngua

Nos desdiga este amor