Estação da Memória

Eu vesti uma camisa manga curta

Protegida por um chapéu panamá

Minha bengala de punho de cobra

Meu sapato de sola invertida

Tudo de bom para ela encontrar

O buque de rosas na mão

A caixa de chocolates na outra

Um vinho equilibrado entre ambas

Romântico na estação de trem

Embarquei rumo ao futuro

A cada parada o apito me acordava

Dos sonhos que sonhava acordado

Passageiros riam da minha figura

As moças curtiam a cara de bobo

Sonhador nos trilhos me achando lobo

Eu a via de vestido florido na estação

A maria fumaça chegando devagar

Ela correndo ao lado da janela

Atrapalhada sobre tamancos cáqui

Uma sombrinha querendo voar

Sonhei com um beijo sem fim

Que Wim Wenders teria que filmar

O mundo pintado em preto e branco

Somente nós na estação a brilhar

E esse beijo aplaudido por todos

Faria o tempo na estação parar

E nós rodopiando abraçados

Numa dança distante do mar

Acordo novamente em rimas ricas

Pronto para eufórico desembarcar

Procuro a sombrinha por todos os lados

Que a vista ansiosa consegue alcançar

Eis que me chega às mãos a carta

Ornada de flores e aroma de almíscar

Em letras trêmulas ela pede para respirar

Palavras borradas por lágrimas contidas

Mal sabe ela que me rouba o ar

Quebra a sincronia da nossa respiração

Eu puxo o ar com sofreguidão

Soterrado afogado esganado amor

Cujo vinho amargo trago sem pudor

No banco escuto a maria fumaça

Apitar dissonante minha desgraça

Curtindo minha epopeia de desamor

Andarei sem rumo até encontrar

Na memória outra estação de trem

Onde ela estará a me esperar