Terra Sonâmbula

Ela gosta de ficção

Enquanto ele

Foi obrigado a admirar a realidade imposta

Deitada em chão de terra batida

Coberta por lençol de estrelas

E o chiado da barriga

Raspando a pele das costas

Ela teve super-herói de estimação

Enquanto ele amolava

A dor da saudade de outras vidas

Em memórias não vividas

Para enganar a fome

Que vez por outra escorria pela mão, pé e vizinhas

Ela brindou Natais

Viajou pela costa a desbravar litorais

Beijou a vida com a boca bem aberta

Mordeu seus mamilos

E arrancou com toda força

Sua roupa ensopada de amor

Como fazem os amantes

Ao derramarem gota por gota

Seus espíritos

Ele aprendeu cedo

A domar seus medos

Empregou ligeiro

Mania de olhar

A vida pela réstia

Da porta entreaberta

Do banheiro

Embalando como seu próprio rebento

As incertezas do futuro

E de um amor pleno

Suas vidas distintas

Me lembram romance de Mia Couto

Daqueles que embriagam a alma

E fazem o espírito viajar demorado

Pela extensão de um país

Preso pela morte, guerra e desgosto

Desses amores que se encontram

Quando em quando

E repousam seus corpos cansados

Em cadeira de balanço

Entre um gole e outro

De amargos dissabores molhados

Sim, eles me lembram

Que a vida pode ser cruel,

Afagar as cinzas da bondade

Enquanto se despede

Cuspindo verdades em brasa

Na cara de gente como você e eu

Gente que sente saudade

De tempos primários

Das andanças por outras vias

Cheias de pecados

E copos cheios até a metade

Daquela bebida quente

Que faz o coração bater

No mesmo compasso

De amontoados sonhos baratos

Talvez vivamos

Realidades completamente opostas

Em tempos difíceis

Em que é preciso

Pausar a morte

E encostar a cabeça

Na beirada do mundo

Pra enxergar a beleza

Que há ao redor da sorte

E orar

Para que o amor

De dois estranhos

Se encontre

E liquidamente floresça.

Dario Vasconcelos
Enviado por Dario Vasconcelos em 18/12/2020
Código do texto: T7138449
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