Catálise
Por todas as pedras
do ladrilho anil
que conduzem as eras
de nossa dança febril
As ruas de Roma se afundaram
e do Oeste galopava delirante
o emissário de Zéfiro
em tácitas notas de esmero
de contorno sacro, de pontas
certeiras, de diamante, esmeril
em algum lugar, a fera rugiu.
Os céus se apagaram e sobre mim
um pedaço da Capela caiu.
E de todos os corpos transbordaram
em chamas lancinantes das criptas
carmesins, o humor denso do Flegetonte
polvilhando o ar com o desespero de Sisto,
e as pérfidas ondas de seus desígnios,
do chão erguiam,
em confusão de afresco derretido,
o mais lácteo bloco do Parnasus.
E como se os sinos entoassem
as notas de Orfeu
o mestre saiu de seu descanso eterno
e com mãos dédalas te tocou.
Enquanto o mármore te expelia
e a benção divina te animava
em um repentino ataque de fúnebre avidez
Afrodite cuspiu-te o caulim de Eva,
que fundiu-se a tua matéria
em ligações estígicas
e o velho em fúria cega
amassava tua forma
ladrilhava teus traços
rezava o canto de Eurípedes
riscava seus dedos em teu ser
a bruxa ria
a igreja vibrava
e a mais lúgubre luz iluminava teu berço
e a face do arquiteto se retorcia
sofria, limava, teimava, suava
e em algum momento
o beija-flor de Cazuza
em áurea determinação
mergulhou em tua pétrea pele
e como se o tempo retroagisse
e o mundo mais uma vez existisse
caminhou a mim a filha de Michelangelo
de olhos lunares e rosto singelo
estampando no delicado seio
a marca de Caim
e eu, com o medo de Pandora,
te comunguei.