Eflúvia

Entre os cinco sentidos o olfato é o mais cruel,

e a comparsa da memória vai junto evocando o fel.

A linguagem, traiçoeira, me impede de chamar isso de cheiro

já que cheiro demanda presença, e de ti não sou mais hospedeiro.

Aquém da presença há a aura: que tange o corpo, mas não o toca.

Da imagem, a lembrança, inversamente proporcional à velocidade da luz.

Do do sabor, o insonso, uma cavidade; uma boca.

Depois da voz, o silencio o vazio e a cruz.

Como nos atrevemos, pois, a chamar de sentidos aquilo que sem objeto não sente?

Potência sem estímulo é o não-sentimento, é assentir.

E aquele que clama a literatura como musa, mente.

Destino de potencial interrompido: é ruir; e à nós covardes: fugir.

O inferno está cheio de conselheiros porque só quem passeou com Virgílio tem local de fala,

e aqui gritam como amantes tentando salvar suas almas amadas:

Conheçam cada curva, abracem cada torço!

Vejam cada olhar e olhem cada esforço!

Provem de toda pele e mucosa, saboreiem cada beijo!

Ouçam cada palavra, mesmo as de acoleijo!

Pensava eu que alheio daquele, daquilo; de tu

receberia o sozinho, mas ganhei um fantasma;

para o qual não há caixão, cova ou baú,

e basta agora rezar, irmão, para que tua eflúvia não vire miasma.

Rob J Cole e Zolpiden
Enviado por Rob J Cole em 24/12/2022
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