Versos que tirei da gaveta (2) - Coisas do amor
Aqui reúno, provisoriamente, versos escritos desde a juventude, devidamente revisados e editados. O que um dia foi desejo de revelar-me a leitores imaginários, hoje são lembranças de momentos vividos, quase todos esquecidos nas gavetas e nas memórias cobertas de poeira etérica e astral.
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1. O RIO E O CÓRREGO
Rio profundo e barrento
Sou eu, passando lento
Através de um grande vale.
A água limpa que vem da mata
Refrescante, em cascata
É você, é teu amor.
Minha vida é um grande vale
Onde passa um rio barrento
que flui profundo e lento.
Em suas margens deságua
Cristalino córrego e a cascata,
Que vem da mata, refrescante
É você, minha amante.
(1997)
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2. UM BARQUEIRO, UM VAGALUME
Nas corredeiras de um poderoso rio
O quanto pode, este barqueiro rema.
Para ele a vida é um desafio, mas
Tua existência é um doce poema.
Entre as estrelas do Universo
Vaga um minúsculo vagalume
Encantado, apaixonado, para ele
Tua existência é um perfume.
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3. BAGAÇO
Eu não quero mais sofrer
Essa dor de ser
Rejeitado por você.
Eu não quero mais sofrer
A solidão eterna
A saudade de você.
Você diz que o sofrimento
Traz evolução espiritual.
Mas não quero mais evoluir.
Isso dói, não quero mais sofrer.
Se crescer é aprender
A tolerar, ter paciência,
Compreender e renunciar...
Estou cansado de tanto crescer...
Eu já cresci que chega.
Quero apenas viver e amar
E fazer o que for preciso
Para ter o amor de alguém.
Se tiver que abrir mão
Do teu doce amor
Não importa viver.
Quero viver repousando
junto de meu bem.
Só quero carinho
Amar sempre mais.
Quero uma xícara
De chá quente, à noite
Sem ligar televisão
Para ouvir melhor o som
Da tua voz amiga, meu bem...
Assim é o tesão broxa
Desse amor senil
O que sobrou depois de perder você.
Mas se para ser feliz tu precisas ir
Vai buscar o que importa a você...
Por amor, deixo você ir e
E que Deus te acompanhe
Te proteja, te faça feliz.
Eu sigo meu caminho
Vou em busca do carinho
De quem queira me amar.
Só não quero mais sofrer.
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4. CAMÉLIA BRANCA
Tenríssima camélia branca
Seu rosto diz "sou um anjo".
E de fato você é.
É um anjo atormentado
Cujos pés não tocam chão.
Teme a dor de ser humana
De queimar-se na paixão.
Flor delicada, frágil, atormentada,
Balança ao vento, indecisa
Quer amar... sem pagar o preço.
(1997)
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5. TEMPO DE COLHER
Campo de trigo maduro
Espera a colheita do outono.
A luz oblíqua do sol produz
Uma tarde dourada.
Ela chega de manso, segura meu braço
E apoia o rosto em meu ombro.
Do trigo farei o pão
Como das uvas já fiz o vinho.
O fogo crepita na lareira.
No aconchego das peles de carneiro.
O inverno reafirma a vida
Com prazeres especiais.
A primavera retornará
Sempre no tempo certo.
E plantarei o trigo
E podarei a vinha
Como sempre fiz,
Como sempre farei.
E amarei a vida
No teu sorriso iluminado
No teu olhar carinhoso.
Na tua alegria que brilha
Na tua companhia, querida.
(1998)
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6. NOITE AMOROSA
Abro a janela, a noite está fresca, cheirosa, insinuante.
— Boa noite, querida noite! Como está você? Eu vou bem, obrigado. Você está linda! Delicada, misteriosa! Sim, ouço os grilos, vejo as luzes silenciosas da cidade. Tua brisa parece um vestido de seda branca roçando minha pele, mãos leves tocando meus cabelos. Você inspira em mim pensamentos sensuais! Haja adjetivos para definir você! Sedutora? É muito pouco. Estou simplesmente encantado. Você é uma rainha virtual.
— O que importa é com quem estamos. Hoje estou contigo e você comigo. Não tem luar? E daí? Não seja modesta. Nem todos os dias precisam de sol brilhante para serem belos. A noite pode ser muito romântica mesmo sem luar. É o teu caso, nesse instante. Veja aquela árvore. Sua silhueta recortada contra a neblina que por ali flutua tem um jeito intrigante. Ela não está dizendo alguma coisa? Se eu me concentrasse talvez percebesse uma mensagem, mas não é isso o que quero agora. Quero estar com você. Sentir teu perfume, ouvir teus sussurros, admirar tuas cores e tuas formas à meia-luz. Tudo o que eu quero é ficar contigo, nessa janela aberta. Dorme comigo, querida noite, fique juntinho de mim. Preencha minha solidão. Você é quentinha, embaixo do cobertor. Gosto muito da tua companhia. Acho que amo você, embora não saiba ser fiel. Você gosta de mim? Obrigado, amor, você é gentil. Repita isso. Sim, estou feliz. Boa noite, noite querida!
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7. CRAVOS BRANCOS
Diante do espelho, vejo o outono. As árvores
desfolhadas do Parque Barigui e o vento frio da noite de maio me fazem sentir a geada nos primeiros fios brancos dos
meus cabelos.
Tenho mais cinquenta anos para viver, ainda e terei que vivê-los sem a vitalidade da juventude. Somente o equilíbrio de meu espírito me sustentará. E Deus.
Hoje cedo ganhei da florista um ramo com dois cravos brancos e uma palavra de amizade, quando esperava que ela falasse palavras de amor. Agradeci o gesto doce e baixei os olhos. Por quê haveria de mostrar-me decepcionado? É cedo ainda para conclusões finais.
Assusta-me ela ter nascido quando eu já tinha vivido mais de vinte anos. Que significa esse encontro com a juventude que não me pertence?
Os cravos brancos falam de pureza, vida simples, amizade,
trabalho, razão, mas o que desejo, nesta noite de outono,
é amor...
Nos próximos cinquenta anos de maturidade e velhice, muitos invernos sucederão os outonos, mas terei ainda
no peito o calor dos verões, e a ilusão de que o tempo
não passou.
Que sendas terei que percorrer? Sejam quais forem, com certeza pertencerão todas a este planeta, e aqui as plantas têm raízes, flores, frutos, espinhos...
Sempre haverá tempo para amar docemente o perfume de
cada cravo branco ao alcance das minhas mãos.
(1997)
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8. DOR ESTÉRIL
Eis-me com a caneta na mão rabiscando um guardanapo, enquanto bebo um cafezinho solitário. Por que faço isso?
Uma lágrima quer sair e meus olhos não deixam. É um vazio de saudade pela companheira que alçou vôo e foi-se embora. Dobrou a esquina para nunca mais voltar. Desapareceu no
horizonte. Dolorosa sensação no plexo solar sobe à garganta e forma um nó. Com quem falar, convertendo esse nó em
confissão? Recomendam os amigos que não deixe minha
felicidade depender de quem quer que seja. Estão plenos de
razão, mas como sufocar esta saudade?
A dor não consegue sair pelos olhos, não sai pela boca, meu
peito reclama de sua presença incômoda. A dor leva minha mão à caneta e escorre para o papel juntamente com a tinta, num guardanapo de mesa de bar. A energia que deveria ser uma jura de amor, um abraço, um beijo, uma noite de amor, agora é dor, meras palavras estéreis rabiscadas sobre um pedaço de papel que talvez jamais alguém venha a ler.
Deus, ajuda-me a sair dessa prisão. A paixão mantém-me
algemado a uma esperança agonizante e já não tenho mais
como carregar essa dor. Deus, ilumina a saída desse labirinto
em que eu mesmo me coloquei.
Rendo-me e a rendição faz uma lágrima molhar meus olhos. O alívio que a saudade não me deu, a desesperança me dá. Esmagado, miserável, volto a respirar. Falta saber para onde ir, e descobrir quem sou eu, agora que matei a paixão que me
prendia à alegria, e depois à dor. Ajuda-me, Deus, a encontrar
um novo caminho... Não sou nada, nesse momento, muito pouco sobrou de mim...
(1995)
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9. SOLIDÃO É BURRICE
Mágoa e saudade
Longe de mim!
Se ela se foi
Sozinho eu não fico.
Me sinto um penico
Tristeza sem fim.
Pode ir embora
Vou seguir com a vida.
Solidão é burrice
A vida não vive
Quem sofre assim.
( Caramba! Preciso tomar remédio para depressão.)
(EM TEMPO: esse poema não é uma receita de vida, apenas reflete um sentimento momentâneo do autor. Nem sempre a solidão é indesejável.)
(1996)
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10. ABRAÇO NA PRAÇA
No banco da praça,
O moço abraça
Os ombros da moça
E forma a pintura,
O perfil e a graça
do casal que se ama.
Um velho sentado
Ao lado, observa,
sorrindo, o rapaz.
Ele segue o instinto
E não sabe o valor
Disso que faz.
O velho medita
E fala, pensando:
"Moço:
Faça com raça uma vida
De amor respirado no ar.
Faça da vida uma roda
Que rode sem nunca parar.
Faça do tempo um sopro
Ama tua linda mulher."
Sabe, o velho, que a vida reserva
Trabalho e canseira aos amantes.
Sabe que pra cada alegria
Há dois tantos de dor e sofrer,
Mas a vida é uma roda que gira
E vale a pena amar e viver...
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11. SE EU SOUBESSE...
Se eu pudesse ao menos saber
O sentido dessa dor
Dessa saudade infindável
Desse tormento imutável
Dessa herança incompreensível...
Se eu pudesse conhecer
O sentido dessa solidão,
Talvez fosse mais fácil
Enfrentar o mundo
Voar mais alto
Mergulhar mais fundo.
Se eu soubesse viver
Talvez fosse possível
Perdoar-me os erros
Ser menos sensível.
Mas que diferença faria
Saber o que rege a vida
Se é inevitável o castigo
Que é minha imperfeição?
Se soubesse para que vivo
Talvez me conformasse
Com minha impotência
A dependência de ti.
Para que servem minhas qualidades
Sem valor de mercado?
Que faço com minhas vaidades
Meu orgulho, meus sonhos
As ambições, os hormônios
Todos esses demônios
Essas contradições?
Se eu soubesse, Deus meu...
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12. OLINDA
Invado tua paz, teu perfume
Como fauno que brinca com a onça
E esta, ao luar, deixa-se estar.
Tenho flauta de osso
Passarinhos, vaga-lumes
Um cetro de rei
Histórias para contar,
E sei fazer cafuné.
Mas, não aceite o sonho que te proponho:
É a tua longa e serena oração
O silêncio de tua mente vazia
Que devo entender e contemplar.
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13. OLHOS AZUIS
Eu era uma vez um sapo
Que deparou-se, um belo dia,
Com um par de olhos azuis,
Estrelas, cristais, raras jóias.
Era eu me apaixonando...
Olhando-os eu me perdia
Tolamente embriagado
Raros momentos
Doces tormentos
Aqueles olhos transcendiam
A contingência dos elementos...
Inefável graça vê-los,
Espírito absorto
Levemente triste
Vagavam pensamentos
Nas piscinas que eram os olhos
Da princesa Marlene.
Eu olhava, hipnotizado,
Perdido, faminto, voluptuoso
Não sabia bem o quê.
Ai do sapo que come brasas!
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14. OBRIGADO, SOL
Passei a noite viajando
Para ver minha paixão.
Obrigado, sol, por nascer
E acordar os pássaros
Que saúdam minha chegada
Aonde mora meu amor.
Se da vida és o pai e a Terra é a mãe
Sou filho agradecido, criança feliz
Escravo liberto que caminha depressa
Chegando onde me aguarda o amor.
Obrigado pela Rosa que desabrocha
Nascida da chuva escorrida
Entre a lama e a rocha,
A mim dada perfumada
Para que eu devore as pétalas
E segure a haste com ciúme.
A grande lição da liberdade
Aprendida em meio à ardência
Do fogo da transformação
arrebenta no peito a veia aorta.
É forte aprender que o amor
Só gera a vida e realiza a criatura
Se aceitamos o sim e o não, com ternura
Deixando a vida rolar livre, leve, feliz.
Obrigado, sol, por nascer
Nesta manhã de quinta-feira
No dia do encontro, afinal
Que vai matar a saudade
Horas e horas de ansiedade
Lição aprendida na vivência
Na sempre intensa emoção.
Arrebenta no peito a veia aorta
Tanta a força da vida que pulsa.
Tão pequena é a humana criatura
Que a a natureza governa e alimenta
Como a um bebê, com ternura.
Deixa-lhe porém a escolha
Do próprio destino, da própria tortura
Do seu desatino, da esperança madura.
(1993)