Cada Vez que te Ausentas

Cada vez que te ausentas

o verso chora convulso.

O relógio expõe as lanças

e a saudade corta os pulsos.

A tristeza fecha a porta

e a esperança vira o rosto.

O dia nasce morrendo

com nuanças de sol posto.

Fica um silêncio de morte

rondando o pátio da casa.

A insônia engole pregos

deitada em cama de brasas.

Cada vez que te ausentas

reina um caos absoluto.

A tarde sangra no ocaso

e a noite dorme de luto.

A morte ameaça a vida

jogando as facas das horas.

Uma angústia amanhecida

põe olheiras nas auroras.

O vinho vira vinagre,

fenece o buquê na taça.

A lua é uma adaga torta

apunhalando a vidraça.

Cada vez que te ausentas

a neve cobre os lençóis.

A manhã, em cores frias,

não desperta os girassóis.

A janela fica cega

e a paisagem perde o lume.

O fantasma da ausência

se encharca de perfume.

O tempo perde a noção,

a vida perde o sentido.

E as lágrimas da noite

nublam a face do vidro.

Cada vez que te ausentas

o fogo treme de frio.

O céu se veste de cinza

e a chuva derrama o rio.

O dia sente receio

da noite desiludida

e a coragem se acovarda

louca de medo da vida...

Um vulto busca a aurora

pela penumbra das ruas

e o desgosto se apunhala

com a lâmina da lua.

Cada vez que te ausentas

o amor sofre distâncias.

Fica um beijo tatuado

sobre a pele da lembrança.

O vento transforma em pranto

as flores da laranjeira...

A tormenta pinga versos

nos acordes das goteiras.

Fica um corpo transparente

residindo num abraço

e o golpe da partida

corta a vida em dois pedaços.

Cada vez que te ausentas

um poema pede colo.

A manhã se desconsola

e põe cerração nos olhos.

A tarde veste neblina

pra vagar pelas vielas.

A garoa tece véus

na moldura das janelas.

A saudade se embriaga

entediada de lonjura.

Até a música se cala

sem o timbre da ternura.

Cada vez que te ausentas

falta contas no rosário...

Há um abalo de badalos

no bronze dos campanários.

O sol assola os vinhedos

em plena aurora das vinhas.

Um menino sem pandorga

sonha c’oas nuvens na linha...

As garças em revoada

são lenços de despedida.

Os dias no calendário

dão uma pausa na vida.

Cada vez que te ausentas

o entardecer dói nos sinos.

A solidão solta os cães

insalivando os caninos.

O rosa chora no vaso

cada pétala que solta.

O violão é um ataúde

onde dormem notas mortas.

A pena fica em vigília

pra poesia que não chega...

E, pelas veias dos versos,

o sangue é de tinta negra.