ONDE ESTÁS CRESCEM FLORES

onde estás crescem flores

sem que a natureza se aperceba

e uns traços de um inevitável sorriso

tomam conta do meu olhar

só porque sem que mais ninguém o veja

sou eu o único a notar

as raízes frescas alvas e verdes

perseguem o teu corpo estendem-se

pela sombra dos teus passos

e dirigem-se como bandos de aves

à procura do próximo arco-íris

com os seus tentáculos para o céu

em gestos rápidos e determinados

como os beijos suaves

dos seres iluminados

se ficasses quieta por um momento

e te cobrisses nua com a luz do sol

para as plantas seria o auge da festa

nas mãos nascer-te-iam canteiros de rosas

nos seios uma colina de hortênsias

e um mar de estrelícias nos teus ombros

com um lençol de jasmins alisando-te as ancas

- mas não paras no teu esvoaçar o dia inteiro

e até as pradarias cinzentas de escombros

transformas em mágicas florestas

com os seus milhões de flores

brancas

onde estás nascem os jardins

os bolbos as pétalas em que te deitas

e eu sou a haste abrindo até aos confins

do mais íngreme caminho

por onde espreitas

uma doce memória de primavera

com o perfume das casas antigas

abraçadas pelo silêncio rezado

da hera que nasce por entre urtigas

- e é nesse remanso que depois

saberemos construir o ninho

com as medidas dos dois

e no meio um paraíso plantado

© José António Gonçalves

(inédito. 4.08.04)

JAG
Enviado por JAG em 09/12/2005
Código do texto: T82768