A RENDIÇÃO DO MESTRE - III

Toca a sineta.O mordomo pasma-se.

Será que ouviu direito? - Pensa aflito -

Será que, realmente, o Mestre me chama?

Corre, então, pelos degraus da grande e velha escada

E entra, de supetão, no triste e escuro quarto,

Onde se encontra o Mestre, há uma eternidade,

Só, aflito e amargurado.

Este, então, acha graça

Do semblante surpreso do amigo.

_ Venha cá, homem, preciso vestir-me.

Tenho um pressentimento, cá em meu peito:

Suponho que, hoje, por obra divina,

Receberei visita, à tardinha.

A bengala faz ranger o piso envelhecido,

Enquanto os sapatos comparam-se a instrumentos,

Ao tocarem a melodia do andar firme e decidido.

Manda que abra todas as cortinas,

Que enfeite todas as jarras e na escrivaninha,

Senta-se, apreciando o perfume do jardim,

Frente à janela aberta, durante todo o dia.

Avista, então, a caminho e a vagarosos passos,

Ela! Tão linda, tão suave e jovem,

Que, apenas em vê-la revigora-se o Mestre.

Pede, com voz emocionada, ao mordomo:

_ Por favor, traga-me dois cálices de vinho tinto

E abra a porta, meu fiel amigo,

Que a minha amada voltou!

Este, feliz, trata logo de cumprir as ordens

E, ansioso, espera, junto à porta,

A bela que encanta o Mestre.

Ela chega, com um sorriso

E, saudosa, olha dentro do recinto,

Encontrando o Mestre a postos, junto à escrivaninha,

Com dois cálices, às mãos, de vinho tinto.

Aproxima-se devagar... e, olhando-o nos olhos,

Toma, serenamente, um cálice de sua mão

E com a voz mais linda, dentre os passarinhos,

Diz: _ Um brinde a nós dois e à razão!

As taças se tocam de leve, cristalinas

E, entrelaçando o braço com o do Mestre,

Leva-o a passear pelo jardim.

_ Vim buscar minhas luvas, que esqueci.

_ Sinto muito, mas acho que as perdi...

_ Já supunha isso. Não faz mal, querido!

_ De certo... Porém, seriam mesmo, necessárias?

_ Não... Vamos entrar, querido, acender a lareira

E, também os castiçais de sua biblioteca?

_ Vamos à minha escrivaninha?

_ Sim, já é tempo! Tenho tanto a ditar

E tu, amado meu, muito a " sentir"!

Entram, portanto, os dois, de braços dados,

Ao som dos pássaros, que inspiram-se com as rosas,

Fazendo, assim, com que a velha mão corra, com a pena,

Banhada na mais rara e valiosa tinta!...