Da ironia da morte

Em homenagem ao poeta Augusto dos Anjos (1884-1914)

Perdoe-me por minha morte

Os “santos” vomitam a necessidade da fé

Asseveram que é preciso cumprir sua missão

Clamam pela longa, pobre e encarniçada vida

Em meu enterro não desejo a humanidade por perto

Não quero amigos: não percam o seu tempo

Aos inimigos agradeço a atenção porcamente dispensada

Minha crença nos homens e mulheres é nojenta.

Na realidade, não quero lembranças

Deixem os parentes em casa, nunca confiei neles

Não gastem lágrimas

Parem de rezar

Nesse dia é preciso ficar só

O corpo inerte não necessita de bajuladores

Não toquem no meu rosto

Poupem os meus órgãos e os dêem para os velhos e para as crianças

Mesmo que não seja por acidente, espero que meu corpo esteja bem feio

Feio e maltratado, tal como é a humanidade, sem maquiagens

Gosto de flores, mas não gastem um centavo com elas

Desejo nesse dia o sossego da alma livre

Entreguem rápido os meus restos aos vermes.

Tal como homens e mulheres, que eles devorem a carne e a pele seca e queimada

Que passem mal e vomitem. O problema, definitivamente, não é meu

Espantem os padres e pastores, não acho que eles estão perto de Deus

Deus não tem proprietário

Tenho certeza que Ele está atento e não temo a morte

No dia que a morte vier que apareça com força e intensidade

E ciente que levará um beijo e um abraço, pois sinto que minha missão está cumprida.