Aprendizado
APRENDIZADO
À minha mãe Nita e irmãos.
Aprendi com o tempo....
Meu jeito fez-me insistente
E o meu acervo familiar
Alicerce essencial
Fez com que eu aprendesse...
Aprendi!
Minha mãe
Negra Nita
Sempre bela e bonita
Carrega na sina a saga.
Seis irmãos...
Tião, Quincas, Deca, Inhô, João, Sinhá
Filhos do Raimundo do Bento e D.Benedita
Eis aqui a veia da ancestralidade.
Negra Nita não perde o tempo.
Benze...faz as suas orações...herança da senzala.
E lá vem ela da lenha!
No feixe
Raízes,plantas e a crença.
Também pudera!
Raiz de família!
Tia Maria, Tia Amélia, Tia Conceição
Negras benzedeiras e a força do Candomblé
Afloradas no terreiro dos Bentos e Martins.
Quintais
Plantas e fé
Nosso médico o Dr.Raiz!
Sim, o Dr.Raiz!
Losna ,Sabugueiro, Quitoco, Jervão...Pustemeira ...
Para o sangue?
Ah!...
Canelinha-de-Perdiz!
Se não adiantasse
Ela dizia:
- Ô menino!
Vai na tia Améia!
Ou é mau-oiado
Ô um ôio grande infiliz!
Aprendi!
Minha inspiração veio dela!
- Toninho! Me traga uma caneca cum água meu fio!
E lá minha Negra Nita
Minha mãe!
Às vezes sentada no feixe de lenha
A sede era tanta coitada!
Cansada
Bebia a água e dizia:
- Êita água boa!
E ali nós os guris!
Adelson, Maria, Eneida, Geovane, Paulo
E aqueles que em nossas memórias permanecem:
Adalton e José.
Ela simples coitada!
Com o mais novo dos oito no colo!
Os cabelos brancos davam o tom
O tom do tempo!
A experiência vinha de labuta!
É relíquia!É ouro!
A vaidade era observada através do espelho
Onde as rugas
Timidamente mostravam as caras
E rapidamente se desfaziam
Pela preocupação.
Mas ela sempre sorridente.
Os olhos atentos aos céus
Mostravam o fundo da alma!
Trovejava!
As nuvens anunciavam a água
E a espera da chuva era sagrada!
Alguns se ajoelhavam
Outros entreolhavam
Admirados!
E ela ali
Calma e sensata!
E quando do relampejo
Tudo clareava!
Olhos atentos ao telhado
Onde as frestas mostravam o céu
Daquela casa antiga herdada do meu avô Raimundo do Bento
Negro guerreiro neto de escravos!
E a lamparina esquecida no canto
O que se notava
Era a dança da chama
Apaga
Não paga...
Apaga
Não apaga...
E nós ali
Apreciando o som das goteiras
Toc,toc,toc,toc...
Sincronismo perfeito!
Ente a vida e a natureza.
A oração por entre os dentes
Medo?
Sim....
Da chuva?
Claro!
E também das trovoadas?
Também.
Lá fora
O abacateiro,a mangueira,e o pé de Jamelão
Assistiam e agradeciam pela chuva!
Da janela
Os olhos arregalados
Assistiam ao ritual...
Fim de chuva!
É hora de curtir o final da enxurrada
E às vezes ela ralhava
Mas também ponderava
Pois sabia que ali estava a alegria da criançada!
E logo o meu velho pai
O saudoso pai chegava
É a labuta!
Pedreiro
Homem de fibra.
O assunto era a chuva
E nós ali à sua volta
E cada um à sua maneira
Contava a passagem da magia das águas dos céus.
E um apito se ouvia ao longe
E lá vem o trem!
Hora levando o progresso
Outra levando destinos!
Só sei que acenava
E várias mãos retribuíam
E até parece que ensaiaram...
Que saudade da minha terra!
Doces lembranças
Olhos ao horizonte!
Doce Corinto
Vila Alvarenga
Caixa D'água
De onde se avista o sol primeiro
Recanto de mim criança
No berço da infância raiz.
E é hora de voltar ao presente
Pois...
Viajei num sonho
Talvez nos sonhos dos passageiros
Que em busca de um mundo
Viajam no descobrir
E nós aqui
Saudade...
Esperando a noite
Mas longe dos açoites....
Açoites que um dia
Nossos ancestrais presenciaram
E embargaram seus sonhos....
Esqueçamos isto....
Só sei que aprendi!
Aprendi a ser assim
Amar e ser parte da carne de D.Nita Negra linda!
Pois trazemos na pele
O escuro da noite
A resistência
Lembranças da tirania
Mas na alma o orgulho
Orgulho de sermos Negros!
Hoje em quatro
A Maria, Eneida, Paulo e eu
Os arrepios afloram pois fomos embalados no regaço
Regaço de Negra Nita Linda!
Nossa Mamãe!
Te amamos!
Ta-li-la-li-la-li-lê...
Salve Negra Nita!
Salve!
Salve os Bentos e Martins!Salve!
Intè!
Tinga das Gerais