A UMA MULHER CHAMADA RUTE

Ela não sabia nada da vida,

Fora mãe ainda uma criança,

Rute, uma simples rapariga,

Há muito perdera a esperança.

Dos homens que conhecera,

Nesta sua breve caminhada,

Apenas um a enternecera,

O mesmo que a olvidara.

Moça simples e de costumes,

Da aldeia que a viu nascer,

Partiu assim, por serras e cumes,

Certa manhã, num amanhecer.

E há cidade grande já chegando,

Com a menina pela mão,

A ambas foi-se deparando,

Uma estranha sensação.

Tudo era como num imenso desafio,

Dos prédios como gigantes,

Aos carros num rodopio,

Parando nos passos distantes,

Dos que passavam sem olhar,

Homens em louco frenesim

E animais a se desgarrar,

Nada ali parecia ter um fim,

E quanto mais elas caminhavam,

Quanto mais as saudades diziam,

Mais e mais, se embrenhavam,

Nesse grito que ao longe ouviam,

Do quarto escuro e sem cortinas,

Alugado na única das pousadas,

Aonde todas as coisas eram permitidas,

Da vileza às ratazanas nas escadas.

E foi assim que a manhã se realizou,

Por ruas estreitas e portas fechadas,

Rute, bem que se esforçou,

Mas de tantas oportunidades negadas,

Breve o sonho a fez temer:

Sem emprego e sem dinheiro,

Sem ter o que levar que comer,

Pensava na filha, o dia inteiro,

Esperando por ela no lúgubre quarto,

Na esperança que sua mãe viesse,

Trazer-lhe o que pôr no prato,

Por aconchego ou pura benesse.

Afligida por tamanha afronta,

Má mãe então ela se julgou,

E fazendo jura, pôs-se pronta,

Guardou a cruz e caminhou.

Desde então, velhos e relhos,

Por sua repulsa e farto engenho,

A quiseram assim, de joelhos,

Como no rosto o cenho,

De dias carregados de miséria,

E no corpo o transtorno,

Dos que, chamando-te de galdéria,

Eram o teu próprio e triste abandono.

E as noites sobrevinham aos dias,

Como os dias eram com as noites…

E nem o álcool nem as fantasias,

Calavam nunca a brutalidade do açoite.

E pensavas na tua pequenina!

E aceitando a ignóbil do homem,

Logo tornavas a fálica esquina,

Aonde todos os sonhos se consomem,

Na aturada omissão de quem passa,

Sem ter o que querer nem saber,

Na pressa descuidada, rumo a casa,

Passo apressado, que não quer ver.

Rute, uma simples rapariga,

Que fora mãe sem ser criança,

Sabia bem o que era a vida,

Por isso tentara a mudança,

Na esperança vã de um novo dia,

Tomando rumo que dar à filha,

Talvez mesmo um pouco de alegria,

Mas dos outros a partilha,

Foi só esse imenso desprezo,

Que rasga e prante e dói na alma,

E mais ainda que fogo imenso,

É lume brando, em doída calma.

Rute, morreu só, sem honra

Nem dos outros o respeito,

Mas nossa é a vil desonra,

Como dela em nós o despeito.

Jorge Humberto

(06/03/2004)

Jorge Humberto
Enviado por Jorge Humberto em 05/05/2006
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