Carlos Drummond de Andrade

Em homenagem a Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

E agora, Senhor Carlos Drummond de Andrade?

Pa-ra-ty acabou,

o pessoal foi embora

os escritores pegaram o caminho da roça

os falsos escritores também

os leitores foram lá fingir

os falsos leitores também

Você que tem nome:

O maior poeta de Minas Gerais e do Brasil

um bom homem,

que amava e protestava com e sem palavras?

E agora, Drummond?

Está no céu

com os seus

cheio de amor

sem dor,

pernas cruzadas,

não precisa de nós aqui

tampouco destes palhaços da burguesia

és a eternidade

Está com tudo.

E agora, Drummond?

Durma com essa:

aqui ainda roubam sem dó

os políticos são os mesmos

os delinquentes ficaram mais jovens

a cocaína virou crack

a polícia é milícia

a Constituição é um mito

tem muita gente dormindo pelas ruas

passando muita fome

sem a chave de casa

também não existem tantas portas

os rios estão secando

o mar não está para peixe

e as mineradoras já acabaram com a sua e com as outras Itabiras

E agora, Drummond?

Se o senhor voltasse,

gritasse?

Gemesse como mandou

tocasse em algo

cantasse

fizesse mais poesia

lançasse mais livros

utilizasse sua biblioteca

Mas o senhor morreu.

Virou estátua

está sozinho na praia

só no dia

também no escuro.

sem sala

lugar para encostar.

Sentado apenas...

Até roubarem seus óculos

Fique quieto por aí.

certamente está muito bem acompanhado

Não se preocupe para onde ir.

Numa boa, senhor Drummond:

nós jamais lhe merecemos.