ELEGIA A ZILA MAMEDE

Eu quero condenar aquele mar

que tentou carregar a minha diva

para aprisioná-la, ainda viva,

com todo seu poema secular

no mais profundo abismo colossal,

e quis o conteúdo do seu verso,

em imprudente intento mineral,

retê-lo para sempre e sem reverso.

Ele tramou levar da potiguar

mais que o cotidiano privilégio

de ter o braço amado, forte e régio

daquela que na vida soube dar

a plena devoção sobre o papel,

e fez a tradução que um escultor

faz com a sua mão e seu cinzel

para ritmar a voz de um orador.

Ao ver no vento o verde feito Apolo

ou ora tal qual onda esplendorosa

se espraiando a agitar a gloriosa

superfície da cana presa ao solo,

a nova palmeirense perguntou:

“Meu pai, isso é o mar?” E um pronto: “Não,

é um canavial”, lhe reportou.

Porém, não lhe causou desilusão.

Ela fundia ao corpo o azul imenso,

cantava da maré toda pujança

e, junto com seu mundo de criança,

dava também ao campo amor intenso.

Daquele dualismo de paixão,

a Netuno mais perto quis estar,

mas sem nunca esperar qualquer traição

qual foi a ingratidão de lhe ceifar.

Eu quero condenar aquele mar

e não posso prendê-lo. Sou pequeno.

Mas o que me consola o meu cantar

é poder relembrar que aquele aceno

só deixou solidão ao seu algoz,

que não tem mais nas tardes sua musa,

pois Zila com seu verso em minha voz

sempre em mim viverá mesmo reclusa.

JOSÉ SOUSA
Enviado por JOSÉ SOUSA em 30/07/2005
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