Galdina Soares

 

  MÃE VELHA

   Meu pensamento se volta
  quando me lembro da infância
  aguçado, numa ânsia
  ao lembrar da família
  toda minha alma brilha
  por aquela que me pariu:
  a mãe velha que partiu
  deixando os filhos de guia
 
 Mãe velha, quantas saudades
 sentimos por ti,
 lembro dos tempos de guri,
 das artes que aprontei
 de todo alvoroço que dei
 com meu jeitão de arteiro
 são sinas de caborteiro,
 que nas lembranças terei 

Evoco esse teu nome:
mãe velha, santa gaúcha,
essa ansiedade que repuxa
alimenta minhas idéias,
fostes delicada camélia
com tua sina bondosa,
prestativa e caridosa
por tua fibra gaudéria 

Lembro de muitas coisas
numa paz que me ativa:
tua imagem sempre viva
que vem no meu pensamento
de quando davas ensinamento,
hoje, ainda me comove,
dos dez, restaram nove
pra teu amor e sustento. 

Mostrava-se jeitosa e calma
ao escrever suas letrinhas
ali, na sala ou na cozinha
firmando bem nosso pulso
por vezes, nos dava um susto
mostrando todo seu poder
ao nos fazer aprender
as regras do teu impulso. 

Com todos os filhos em volta
de uma vida tão pobre
seu ritual, capricho nobre
jamais, por isso, se cansava
e com firmeza nos mostrava
na sua simples linguagem
para termos sempre coragem
a cada dia que chegava 

Quantas vezes, mãe velha,
um de nós ficava doente
foste enfermeira e assistente
dia e noite ao nosso lado,
pois até num resfriado
tinhas suas preocupações,
rezava tantas orações
com fé, em nosso costado. 

O tempo foi se passando
fomos ficando mocitos,
eu de cá mais taludito
fui me firmando no más
adolescente, num zás,
pegando o mundo por conta
na juventude que apronta
as aventuras dum rapaz. 

Sempre vou lembrar de ti,
dos causos que nos contava
calma e tranqüila, falava
até em momentos difíceis,
mostrava que suas raízes
eram de sangue português:
guerreira de fé e altivez
herança das suas matrizes. 

Na tua força, mãe velha,
do serno do puro pinho
mui amiga dos vizinhos
com o seu jeito bem simplório,
chimarrão como ofertório,
amigaça de confiança
brincava numa festança
e consolava no velório. 

São tantas coisas, mãe velha,
que eu posso falar de ti,
vou parando por aqui
nesta singela homenagem
teus filhos carregam a pelagem
da tua luz pertinente
pois estás sempre presente
glorificando tua imagem. 

Lembro bem, santa mãe velha,
no dia em que tu silenciou,
noventa e dois, teu corpo parou
naquele quarto de hospital
Deus mandou um sinal
na meia-noite cinzenta
teve relâmpago e tormenta,
os anjos abriram a janela
na luz viva levaram ela:
a nossa mãe tão sagrada,
ficamos órfãos pela estrada
sentindo saudades dela. 

Mas o destino cruel
que fez a gente sofrer
com tua gana de viver,
linda, bela e sem vaidade
alegre na flor de beldade
cinqüenta e quatro novita:
o câncer é doença maldita
ataca em qualquer idade. 

Bueno, mãe velha,
sei que também vou partir
deste plano me vou ir
junto de ti e do Patrão,
vou levar meu violão
e declamarei do meu jeito
abrindo as varas do peito
neste campo celestial,
mas Deus, bondoso e cordial
vai me deixando por aqui
pra cuidar das netas e dos guris,
lindaças que são as crias,
vou escrever mais poesias
como esta, em homenagem a ti!