MY LITTLE TOWN BLUE

Nasci numa pequena cidade, entalhada às margens do desconhecido Ribeirão Claro, numa das muitas bacias do rio Tietê. Tão pequena era a cidade! Uma aldeia de esquecidos no tempo, lá pelos idos de 50.

O que sei é que as pessoas do lugar, não eram amargas, nem tristes, nem jamais se importaram com o esquecimento ou indiferença do mundo.

Para aquela gente, importava e existia o que estava ao alcance dos seus olhos e dos seus sonhos. Levavam uma vida contida, modesta, sem grandes planos, nem horizontes muito largos.

A pobreza do lugar, nunca deu lugar à tristeza ou à revolta, mas despertou-lhes a fé que sustentava o firmamento de esperanças de cada um. Aceitava-se o que Deus dava, o sofrimento era considerado penitência!

O sol e a lua reinavam em horários bem diferentes e eram absolutos. Aquele firmamento ainda me reserva lembranças doces, por guardar em algum lugar, o céu que pontilhou a minha infância.

Esta mania de sonhar de olhos abertos vem daquelas noites claras e quentes, vício do qual nunca me livrei e que me inspira a escrever de vez em quando.

Aos domingos os homens, desfilavam a casimira. Ia-se na igreja com regularidade. A igreja tinha grande importância na vida de todos! Temia-se a Deus e as dificuldades diárias, os tornavam mais íntimos do criador! Assim, comungar, confessar os pecados, orar, fazer novena, celebrar o dia dos santos, fazia parte do cotidiano principalmente das mulheres. Muitas delas, filhas de Maria, beatas, devotas e sempre sinceras em seus votos.

As casas eram cercadas de quintais com bananeiras, mangueiras e cajueiros de troncos tortos. As ruas eram de terra, na sua maioria, o que a fazia ainda mais bucólica e ainda mais rural. Tudo muito tosco. A vida ali era na realidade, uma foto em preto e branco e retratava a própria simplicidade daqueles tempos.

Os homens tinham também na maioria, profissões simples. Marceneiros, ferreiros, retireiros, Oleiros (fazedor de tijolos), carpinteiros, barbeiros, carvoeiros, pedreiros, pintores, pequenos agricultores, mascates, peões de fazenda, pescadores e pequenos comerciantes e uma massa pobre de boias-frias, já expulsos das propriedades agrícolas como resultado da implantação da CLT editada nos idos 40 por Getúlio Vargas, que visava, com ela, amparar os trabalhadores do Brasil, inclusive os rurais.

Getúlio por ter sido fazendeiro deveria saber era como funcionavam as propriedades rurais mas viu-se que não sabia. Elas eram de baixa produtividade, não tinham financiamentos, nem garantia de preços e assim não tinham como pagar os salários dos trabalhadores e encargos trabalhistas. Os pequenos agricultores tinha uma realidade ainda pior, pois eram obrigados a vender sua produção a preços baixos para a manutenção de suas famílias e propriedades logo após a colheita. Mas é o preço da evolução e toda mudança traz adaptações e problemas que alteram as realidades regionais num país extenso como o nosso. Ao longo do tempo viu-se que a CLT era um avanço necessário na industria na proteção dos trabalhadores, mas no campo a adaptação foi difícil.

As fazendas demitiram seus trabalhadores que nelas moravam sem pagar aluguél, tendo acesso à moradia, lenha para cozinhar, leite para os filhos de graça e acesso à comida, pois muitos fazendeiros doavam pedaços de terra pro seu pessoal plantar para garantir o alimento da família e assim, expulsos das prorpiedades, engrossaram a fila dos desempregados nas cidades pequenas, transformando-se em bóias frias, trabalhadores desempregados que viviam de bicos nas épocas das colheitas contratados temporariamente por seus antigos patrões. Em Iacanga, não foi diferente, ali havia uma massa desassistida, que vagava atrás de oportunidades na decada de 50, fazendo bicos e serviços temporários para sobreviver e assim viveram na linha marginal da pobreza e mais cumpriram penas do que viveram. Esta foi a realidade com que encontrei e com a qual convivi.

Contudo, esta realidade muito me ensinou. O que me marcou eram que aqueles homens, trabalhadores formidáveis, de mãos calejadas, vergados pela submissão e pelo sol, de alma e corpos rudes e fortes, que sempre comparei-os à velha aroeira, madeira comum na região, que nunca parece sentir o desgaste do tempo, posto que é duríssima, com seus veios ásperos como era a natureza daqueles trabalhadores. Com eles aprendi liçoes de humildade e o valor do trabalho.

Guardavam, todavia na alma valores raros, que penso se perderam nas veredas do tempo e que talvez não tenham sido transferidos totalmente para as novas gerações.

Estas foram as primeiras impressões e as primeiras imagens que fiz da vida, das pessoas, da cidade e elas resistem até hoje, como fotografias envelhecidas no painel da memória, um tanto torturada pelo tempo.

O que me encanta ainda hoje, é que aquelas pessoas nunca alimentaram sonhos de riqueza, de vaidades, e que amordaçaram suas cobiças e sonhos e por isso eram genuinamente honestas em seus propósitos e pareciam acreditar apenas no fruto do trabalho. Não eram fúteis, mas simples e tributráveis. Assim viveram suas realidades de lavorar em seus ofícios, cuidar de suas famílias, viver com humildade e sem nenhuma proteção, há não ser aquela emanada de sua fé. Assim, levaram vidas sem posses, viveram sem mágoas e partiram na mesma obscuridade em que viveram. Por isso também produziram uma cadeia de valores e urbanidades inestimáveis.

Um dia eu deixei Iacanga. Saí daqui movido pela inconformidade e inaceitação da realidade que nutre e enche todo jovem de sonhos, sem saber que eu a levaria comigo, dentro de mim, por todo o sempre, onde quer que eu fosse.

Assim são as imagens que conservo da minha cidade, da época que aqui vivi, humilde, escondida, cordial, mas querida, o suficiente a ponto de andar dentro dos nossos corações.

Por isso, quando me perguntam sobre onde nasci, eu sempre eu digo que tenho orgulho de ter nascido aqui e que não importa o quão desconhecida para os outros Iacanga é e reforço que ao longo de sua história, de fato, ela nunca foi conhecida por fatos grandiosos, exponenciais, nem nunca produziu heróis, propriamente dito, mas produziu gente e gente é o que importa para o mundo!

Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 18/02/2016
Reeditado em 17/02/2024
Código do texto: T5546983
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