POEMA ESTENDIDO NA PRAIA DISTANTE - para Anchieta
Senhor das águas, homem do fundo do mar
elfo das florestas marinhas, coral do abismo
horizonte eletrizado, luar como o do sertão
não será tarde sobre as ondas, reconheço.
Sê indulgente, não peças o que já esqueci
vê meu sonho? enfim naufraga na calmaria
é barco sem vela, sem proa, sonho avaria.
Trago muitas partidas esmagadas n’alma
as várias vidas, nos destroços recomeço.
Fagulhas de luz dourada iluminam corais
aparentes onde a depressão abissal não
suspende mais plânctons nem meus ais.
Nesta gravidade surfa meu desejo nulo
eu-canoa, Pau-brasil tombado e oco.
Vejo marcas úmidas na areia, teus pés
deixaram a mensagem que trouxe-me
de joelhos. Me tornei mastro sequioso,
e aporto na vastidão do oceano. Cobre
meu corpo teus cabelos de alga macios.
Duas estrelas marinhas cintilam
seu calcário, brancas atestam a
solidão quieta no céu da orla
como bordado, pontos maré
lua nova, minguante pergunta
e eu distraído, quase adriático
imerso nu neste azul escuto eco
“que queres que eu te faça?”.
Estrelas caladas, calado horizonte
Mergulho do crepúsculo no verde
pedr’anil, esmeralda no púrpura.
Embrulho de finíssima majestade.
Oh Mar! ouça minha resposta vil
Senhor das Águas, do Profundo
Apieda-te desde que é só orgulho
que tem para cada pergunta outra
“por que tudo fenece um dia”?
Num segundo vejo o escrito
desandar mar adentro tragado
nas mãos molhadas do sem fim.
Assim o faço, reescrevo
como soldado sem soldo
para ser o poema estendido
a sombra do mundo, a praia distante.
Eu passo, deponho a bandeira
e piso do lado do teu rastro na areia
versos poema’nco sem lastro.
Desenho sonho espraiado,
delta do porvir estático...
Oh! Meu Senhor das águas,
que na aurora estonteante
seja eu em teus olhos inteiro
e cada palavra molhada
para ti meu aceno contente.
Antônio B.