Deslocamento compulsório

Conduzida pela polícia, ela vira,

fita sua casinha

Sabia ser a última vez,

Lembranças,

seu pai chegando da roça, sua mãe cuidando as crianças

A velha espingarda da caça aos preás,

veados, quatis, tatus, pacas

e tantos bichos do mato,

guisado gostoso,

que o vinho do coco,

extraído ao pilão, confere um toque especial,

um sabor,

que só mesmo esse povo

sabe apreciar bem.

Pensamentos

Sinhô, ali naquela ponta de mato

canta a cigarra às seizorinha

É triste ouvir esse bicho ao dia escurecendo

Rompendo o silêncio

tão doído na gente

das horas do entardecer.

Não ouvirei mais bentivis?

Vão me mudar para uma casa de dois quartos

Diz-que eu, só, num preciso de maior

Que a de tijolo é melhor que minha taipinha,

minha tapera.

Mas, eu sozinha, amava tanto ela...

Meu marido, Deus levou.

Filho, tudin espalhado.

A netaiada era uma festa quando chegava

No cemitério, meus parente tão tudo enterrado.

E como é dia de finado?

Num posso mais entrar...

Escorre um pranto contido na fronte,

Sentido...

Mistura-se ao suor nordestino sofrido

O peito apertado...

Mas, ela não diz nada,

Ela não chora

Sua dor é implosão

Acostumada aos baques da vida

Naquela pele negra que, àqueles dias, contava oitenta anos

Um som escuta ao fundo.

Tão derrubando a casa véia

Ateando fogo em tudo quanto é esteio,

janela, porta...

Um aperreio no juízo,

Ardor, a cabeça, ali, pesava uns cem quilos

Dor

Essa, não suporta

Pranto contido irrompe como vulcão

Despeja lágrimas, soluços, gritos

Sinhô, de minha casa eu não saio não!

Não façam isso!

Não queimem meu torrão!

Meu pai morou aqui!

Minha gente tá enterrada nessas terra

Frágil, se desespera

Mais e mais,

As forças se desvanecem

Toda ela é convulsão

Nas mãos de um varão

Que não entende,

Covardemente,

Que o tesouro dessa gente

É o lugar, a terra, o chão.

A todas as comunidades rurais do Maranhão que foram,

compulsoriamente, deslocadas, qualquer que tenha sido o motivo.