Homenagem ao Capitão: A Questão do Penhasco

Ato 1 - Pé ante Pé

Manifestaram pensamentos ‘num sussurro vindo de sombras. No vale verde sob o penhasco até mesmo o som do ar torna-se difuso, principalmente entre florestas, principalmente entre rendas.

O som do barulho nunca cessa, o som do barulho mal se ouve. Pássaro, mamífero e peixe seguem no ritmado silêncio. Pássaro, mamífero e peixe vivem o compasso encaminhado ao relento.

Pé ante pé, uma vez gritaram que o pensamento residia no som do vento morrendo nas folhas das árvores. Pé ante pé, uma vez afirmaram que pássaros, mamíferos e peixes seguiam sem vontade no silêncio do vento. Pé ante pé, disseram que o silêncio do vento é a ignorância dos animais que andavam sob o penhasco. Pé ante pé, ignoraram o vento e tornaram a andar, pé ante pé.

Em algum pé, tentativas de dar voz ao vento ecoaram. Um rugido, um miado, um brado. Chegaram aos ouvidos e se foram da mesma forma que o ar: sem som.

Mas para alguns, o vento bradou. Para alguns viu-se o louco, viu-se a vida, viu-se a hora. Viu-se o fogo e a aurora infindável, indiferente ao pensamento, e desapareceu a sombra sob a colina. Para alguns sussurrou o ar, lembrando para sempre que o capitão, meu capitão, morreu no vento passageiro, mas para quem o ouviu, gravou-se marcas na memória animal da humanidade.

Porque uma vez que se responde o vento jamais torna ao silêncio.

Ato 2 - Às Minhas Amadas Rendas

Homenagem à vida, que a mim foi dada e feita em galhos de renda,

Esta renda que subiu por quilômetros como que árvore,

tecendo no tom da alma sua teia aprumada;

Descendo como que lagarta comendo seus tocos feito de nada,

Manifestações inexistentes surgidas em terra batida,

Terra batida de onde veio esta vida.

Antro de galho de renda donde nasceu árvore infinita,

Que tece folhas afáveis e cobre a terra que lhe deu origem.

E das sombras das árvores torna o novo mundo envolto no penhasco

esperando o vento que chama os animais para subir o tronco.

Quando viu o tronco, avistou a renda.

Quando tocou a renda, avistou o penhasco,

Quando escalou o penhasco, avistou o mundo,

E quando bradou a seu capitão, jogou-se daquela terra,

Acreditando que preferia testar se tinha asas a viver mais um dia na sombra do silêncio.

Ato 3- A Pilha de Corpos

Os pássaros voando acima das nuvens eram poucos,

muito poucos.

Os pássaros voando acima das nuvens sempre caiam,

Uma hora caiam.

Os pássaros voando acima das nuvens tocavam novos penhascos,

E de novo testavam as asas.

E na sombra do penhasco acumulavam-se corpos,

Sem jamais tornar a escuridão donde vieram.

E debaixo das rendas provaram-se esqueletos,

tocados pelas luzes que escapavam das folhas.

E mesmo na sombra da renda, debaixo do penhasco

não havia a menor sombra de dúvida

Que o vento continuava bradando sua vontade

E que ao pular do penhasco avistaram o fim

E antes dele, avistaram o mundo.