Poema do rio

(Para Aldenora Fernandes)

De repente ela

Se olhava de si para si

Enquanto as lembranças eram

Ensaboadas pelas memórias

Das lavadeiras do rio Mossoró...

Passa pedra sabão,

Lava o roupão e as ceroulas do coronel!

O vestido da sinhá,

A roupa estendida no quarador para ganhar cheiro

E o dinheiro do pão.

Os olhos eram vazados

Como se fossem a vazante do rio,

E um arrepio na retina

Abriu o riso enquanto o olho era marejado.

Existiu o engasgo

Na narrativa daquela mulher

Que quando menina mergulhava

Nas águas do rio das lavadeiras.

Era uma brincadeira,

A vida era arisca, mas existia compensação:

O coração já estava distante no instante

Da narrativa costurada com os cheiros

De ontem.

Ela lembrava da mãe, dos irmãos,

Das amigas

E do cheiro de roupa lavada.

As memórias foram estendidas no varal,

Depois recolhidas

Como o corpo da contadora

Que tecia os fios lá da subjetividade

E tudo, aos poucos, se acomodava

Com o olhar

Da necessidade de um copo d'água.

De repente foi assim.