hoje matei um Cachorro

hoje eu matei um cachorro

hoje eu matei sensação

aquela velha sensação deus

dei adeus pra ele que matei

me lembrei da plenitude de ser

da nossa base biológica

me lembrei de toda a lógica

que se quebra como sacola

que amassa como garrafa

hoje senti o perigo na pele

o perigo que é ser ser

de existir de nascer

de ser destinado a morrer

o bichinho foi-se pelo acaso

penso, pelo destino escrito

pelo acaso extraviado

entrelaçado nas estrelas

o bichinho foi morrendo

foi voltando pra matéria

livre, livrei e fui livrado

fui assim, culpado de culpado

fui assim acusado

mal olhado pelo bicho homem

ameaçado, foi de ponta-pé

que acordei, foi a morte

e seu som quem me reconectou

com o mundo de sensações matadas

morridas com erro ingenuo

de bicho-homem-deus, bicho

errante que pensa ser rei

que pensa ser supremo

agraciado com razão

insano de coração

viciado em pranto

viciado em lágrimas em pó

viciados no mal maldito e maldoso

maldade humana de matar cachorro

de matar sensações

de muitas palavras e poucas ações

destinado ao pó, a matéria estelar

todos são, sejam bichos, sejam homens

e quando assim, pó, matéria livre

deus agente encontra

paz e plenitude vive

hoje livrei um cachorro desse

mal amado mundo

hoje dei a ele a paz

livrei a matéria dele

de um velho cheirador de pó

vai cheirar seu cachorro

livre de ti, vivido num mundo

mais justo, mais puro

que quero pra mim, o mundo

da paz o mundo da morte

o mundo da matéria livre

onde pó e poeira somos

em matéria de estrela

agente cheira deus