AS PRINCESAS CANSADAS

 

 

Lá estão elas:

Entre pratos e panelas,

Vassouras de palha,

Canteiros de flores,

No pregão da feira,

Ônibus lotados,

Trânsito caótico,

Crianças chorosas,

Maridos sentados 

Com olhos pregados

Nas faces das telas

 

 

Cotovelos colados

Nos beirais das janelas,

Elas olham a vida

E esperam que a vida

Também olhe para elas...

 

As princesas cansadas

Anônimas fadas

Bruxas disfarçadas

Sentam-se, desoladas

Nos degraus das escadas...

 

Lá estão elas,

Cartazes em punho

Procuram motivos

Direitos, pedidos 

A reivindicar.

- Não por convicção,

Mas por necessidade

De alguma emoção...

 

Algumas  disfarçam 

As mãos calejadas 

De torcerem as roupas

(Pois são liberadas)

Mas lavam calçadas,

Apontam cadernos

Com dedos compridos,

Ensinam lições 

A todos os filhos

(Quem sabe, aos maridos).

 

As princesas cansadas

Ajeitam as mechas

Caídas na testa;

Esmaltam as unhas,

Afiam as garras,

Se cobrem de trajes

Modernos e belos,

E limpam as casas

E quaram as roupas

Na parte escondida

Dos velhos castelos.

 

Há Brancas de Neve

Que sempre adormecem

Em caixões de vidro

Sonhando que um dia

Serão despertadas

Por um cavaleiro

De berço tão raro,

E um dia, despertam

Um tanto assustadas

Sob as duras patas

De um grande cavalo.

 

Há belas donzelas,

Sapatinhos de vidro

Um tanto apertados,

Assistem às novelas

Essas Cinderelas

Sonhando sandálias

Ou até quem sabe,

Bem secretamente,

Terem pés descalços...

 

Princesas cansadas,

De de dentro das casas

Elas se observam 

Das suas janelas:

"Quem é a mais bela,

A mais liberada?

 - Aquela parece

Estar bem cansada!

A outra está velha,

A outra é demente,

E a da casa em frente

Jamais vi os dentes..."

 

Tem uma que chora,

E outra que apanha,

Mas não vai embora;

A outra trabalha,

E nunca tem tempo

De vir à janela,

De ver a novela,

De olhar-se no espelho

E se perguntar

Se a vida que leva

É o sonho dela.

 

Tem uma que prega

Que é muito feliz

Estando sozinha,

Alega ser dona

Do próprio nariz,

Alega ser livre,

Ser empoderada

E viver em paz.

Mas tudo é mentira,

Pois sente-se só,

Pois sente que a cama

É grande demais.

 

As princesas cansadas,

Solteiras, casadas,

Ou divorciadas,

Postam suas fotos

Sempre sorridentes,

Não importa se mentem,

Não importa se a vida

Que as está levando

Não está costurada

Nos pontos das plásticas,

Não está congelada

Na mágica editada

No tóxico botox,

Na forma perfeita

Siliconizada.

 

A vida que vai

Não fica parada,

Não se eternizada 

Como uma elegia

Nas fotografias

Por elas postadas.

 

Não sabem quem são,

Não sabem de nada,

Só levam a vida

Que pensam que a outra

Princesa cansada

Tem como perfeita;

Não tiram o pó

E queimam o jantar

A fim de postar

Só mais uma foto,

Só mais uma selfie,

Só mais uma,

Só mais,

Só...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 16/08/2022
Reeditado em 16/08/2022
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