Partida

Bonito da partida é estrada infinda...

O inusitado e inacabado, o "por vir".

Caminho rudimentar que, tendo ida, tende ter volta

na volta, é certo que flores terão perecido, outras se aberto,

rochas se aluído com o poder da ventania,

efeito do tempo...

Melancolia da partida é o pedaço que fica...

Afeição que se descola no pranto da ida,

saudade vertente, soleira vazia,

irrenunciável idade, dor a ser vencida,

olhar nos olhares inundados, incontidos,

talvez o último da vida...

Palavras que não se organizam,

desejo de interminável última despedida...

Reticência da partida é medo da escuridão...

Da viagem noturna, silvos e atabaques,

neblina na penumbra, os transeuntes, parceiros ou algozes nas trilhas riscadas no chão,

temor do fracasso, de novas partidas,

voltar sem ter visto o arrebol,

sem portar os tesouros desejados...

Compensador da partida é tudo isso:

misto de êxtase, tristeza e temor,

bravura para seguir

sem saber se pior o medo, a saudade, a solidão,

se angústia do místico ocaso ou a leveza do amanhecer,

se mais benevolente o fracasso ou a certeza de poder voltar...

Valioso da partida é não ter colhido aquelas flores,

a vontade permitida aos outros,

posto que, perecidas, terão feito germinar e,

se o fracasso ou o sucesso conduzirem retorno, possam-se vislumbrar novas flores das amadurecidas sementes desprezadas ao chão, multiplicadas se não lhes furtamos quedar-se então...

Bonito da partida é chorar sem reservas,

afinal, ganha-se e perde-se.

Lindo é tocar a face de quem fica, afeição,

é lembrar-se do pedaço que se deixa,

assim sempre fica um pouco,

ali sobrevive o mais puro que pode existir,

o nosso traço que fica no outro,

a emoção que provoca e eterniza amor naquele tempo e naquele lugar.

Nalva
Enviado por Nalva em 27/04/2006
Reeditado em 27/01/2014
Código do texto: T146197
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