Tantas Coisas

Tantas incertezas causaram meus enganos

Eu vivi me cansando demais

Passaram tantos anos

Todo dia eu olho pra trás

Foi grande a mudança

Tantas coisas ficaram, estragaram

Ficou só a lembrança

Em tanta porcaria foi dar minha existência

Hoje tento reunir os pedaços

Segundo uma seqüência

Me enganando que penso que vivo

E que sou verdadeiro

Tantas coisas ficaram, estragaram

Mudaram ou se perderam

Tanto sono tive e tanto descansei

Eu me lembro que fome senti

E que me alimentei

Tantas regras pra gente seguir

Eu quis me destacar

Só pensando em poder existir

E um dia até voltar...

Tanta galeria e tanto objeto

E o mistério tão grande que existe

Se esconde lá no teto

O que existe atrás dessa chuva

Não é pra se mostrar

Esse jeito de ser tudo e nada

Ninguém não quer deixar

Tanto que eu sei que prefiro esquecer

Me divertem as ondas do mar

Me diverte quem me vê

Tanta cor, tanto chão, tanta chuva

Tanto vento sem razão

Tantas coisas que ficam e se estragam

Tão de carne é o coração

Tanta ocasião pra no morro me sentar

E olhar cá pra baixo pra vila

Tanta gente a transitar

A formiga, a abelha, o mosquito

Me incomodam o nariz

Esse mundo tem jeito esquisito

Quero ter o que não quis

Tanto falatório, xingamento e tropeção

O prazer me custou muito caro

Purgatório é que não

Coloquei o sapato mais novo

Mas o emprego eu perdi

Se ele é vendedor de sucesso

O progresso lhe sorri

Tanta estrada ainda tem pra gente percorrer

Mas um dia cinzento esse sol

Pode até me aquecer

Mas um dia amarelo essa chuva

Pode até aparecer

Me espanto com o fim da estrada

Que parece se esconder

Tanta solução encontrou o anfitrião

O cientista subiu no altar

Pra pagar a exposição

O artista quis se embriagar

Mas o guarda disse, não

A justiça chegou pra julgar

E prender sem ter razão

Tanto existe ainda pra dizer e pra calar

Mas enquanto esse Sol existir

Eu vou vendo no que dá

E enquanto essa chuva cair

Vou querendo me secar

Amanhã ao invés de fugir

Fico aonde é pra ficar

Rio, 31/07/1973