Pensando em você
Ontem eu te desejei como nunca havia imaginado te desejar antes: um desejo irrompendo em mim como torrentes de fogo, com a força bruta de um incêndio na mata.
Quis te possuir com a urgência do irresponsável adolescente que em mim ainda vive - este adolescente desejo que em nós é o cinzel a esculpir de intensa paixão nossas horas.
Descobri-me só. Somente eu, meu desejo incontido e um imenso abismo de noite a transpor. Sob açoite, construímos, eu e meu desejo, uma ponte com as lembranças das nossas noites de outrora.
Pensei em enganar meu inconveniente desejo. Como ardil, de outras noites tentei relembrar; insistente e rebelde, meu desejo nossas noites veio, (de novo!) servir em bandeja de prata.
Deixei-me cobrir com o lençol de teu riso sublime, e não mais dormi, meu amor. Permutei a madrugada de sono pelo crime sagrado de me imaginar em teu corpo a perder meu juízo.
Esta posse solteira na calada da noite meu desejo não extingue: só o aquece ainda mais. A pujança que vejo me encanta e apavora; teu faltar é veneno, teu ausente querer me faz te querer muito mais.
A solidão é perversa. Mas, por vias transversas, essa ingrata não me deixa esquecer nosso amar tormentoso, nosso encaixe gostoso, nosso abraçar tão sereno em nossa ilha de paz.
Vejo traços difusos de tua silhueta a passear em minha mente nesta noite confusa, entretida a pensar, abstraída de mim, a querer se perder, a esfregar-me na face quanto de ti eu preciso.
Tuas marcas, em mim, a denunciante manhã mas mostrou: meu olhar tresnoitado e o meu corpo cansado de um incompleto, pecaminoso gozar numa alcova projetada prá dois, mas habitada por um.
Meu chuveiro recusou-se a banhar-me, receoso de apagar o teu cheiro, inexpugnável cheiro posseiro de minha pele, cimitarras de saudade a trespassar-me em mais uma tarde a morrer longe de ti.
Hoje eu sei que outras noites solitárias virão, que meu adolescente desejo insensível sitiará minha indefesa razão, quebrantará minha férrea vontade com o suplício das imagens do que contigo vivi;
Com o rememorar de teu corpo escaldante grudado no meu, e com a inquebrantável certeza de que jamais conseguirei a façanha de extirpar-te de mim. Resta-me então concordar renitente: prá nossas noites vulcânicas não há substituto nenhum.
Recordar o amor que vivemos é como vivê-lo de novo, experienciando tudo outra vez. Acrescemos a essas recordações a agravante da saudade que esses momentos de amor já vividos nos atira em face, somado também a impossibilidade de viver a pleno o amor que estamos a recordar. Em nossa imaginação cabe-nos suprir esta ausência sentida, trazendo de volta aquele amor que conosco não está.
Cidade dos Sonhos, tarde de Sábado, oitavo dia do mês de Maio de 2010
João Bosco