FANTASIA

- Quem tem um trem que me empreste?

Quero mostrá-lo ao meu filho,

pois o trem que eu tinha na infância

o tempo veio e o levou

lá pros rumos do Nordeste.

Levou também os seus trilhos,

deixando aqui só estórias

que ele já quase apagou.

- Quem tem um trem mesmo usado,

desses que correm a lenha

e que ainda tenha forças

pra correr e pra apitar

me empreste, terei cuidado,

só quero mostrá-lo ao meu menino,

pois ele vive a implorar

pra ver um trem de verdade,

já que o seu é pequenino

e desses que correm a pilha,

sem faíscas e sem fumaça...

- Quem tem um trem que me empreste?

Quero mostrá-lo ao meu filho,

daqui a pouco ele cresce

e é até capaz de esquecer

dessa sua fantasia

e, juro, não gostaria

que isso viesse a acontecer...

- Quem tem um trem que me empreste?

Não, não é só pela criança,

eu também tenho saudades

do trem que o tempo levou

lá pros rumos do Nordeste.

- Quem tem um trem que me empreste

antes que a vida me leve

pras bandas não sei de onde

deixando o meu filho sem mim

e sem as lembranças do trem...

- Quem tem um trem

que ainda corra,

que ainda apite,

que ainda espalhe no ar

sua fumaça e alegria,

me empreste antes que eu morra

e antes que morra em meu filho

essa sua fantasia...

(Para o meu filho Marcelo, em 03.08.1981)