Poeminha da saudade antiga

Despi as nuvens desse dia só para te ver melhor.

A canção rebatida na nuca, os olhos contornados de azul.

Na intenção de ser céu, abri a boca para as gotas de chuva.

Entendi o amanhecer como quem compreende o nascimento da primeira cria.

Esqueci-me da dor.

No parto prematuro do dia, o choro da fome abortada mereceu ser silenciado pelo riso das moças virgens e expostas nas sacadas.

Catei o que me davas, a cada chegada, sentindo o frio da partida a me entrelaçar.

No jardim secreto das flores preferidas, fiz um cafuné de amor na aura da nossa melhor lembrança.

Sorri sorrateira como quem rouba batons de chocolate e finge adolescer.

Não entendo boa parte das coisas, mas o que resta me importa solenemente.

Na tarde sombreada e radiante da quimera, senti que éramos o que de fato podíamos ser.

Nunca mais um toque.

Nunca mais o chão a sustentar teus pés.

Apenas cenas cortadas e postas sobre a mesa do jantar.

O gosto do vinho enrubesceu a face do amor embriagado.

Criamos a vida em mundos separados.

Nenhuma rua nos separa, mas nenhum caminho nos faz encontrar.

Guardei teu cheiro na madrugada dos becos sem saída e a tua voz, rouca e trisque, coloquei no varal para quarar.

Tudo isso, enquanto os pássaros divinizados da saudade anunciavam o dia antes que a noite pudesse terminar.

Nua do ressentimento da perda, senti o beijo pedindo para ser roubado.

Levaste quase tudo.

Menos a pena leve das palavras a caçoar dos ouvidos tolos do acreditar.

Iza Calbo
Enviado por Iza Calbo em 29/07/2013
Código do texto: T4410589
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