Quando desci do vil Negreiro
Quando o grande barco soa,
trazendo às margens carne fria,
cas palma a queimar no solo,
cos olho a correr as via,
desce o forro negro ardido
em fila pra ser vendido.
- Mostra os dentes, filho d’égua! – berra um macho doutra cor.
- Esse cá, tinhoso, é meu! - grita ali outro senhor.
O negro baixa a cabeça,
co suor caindo às penca,
faz um culto,
junta as perna,
coitado mal se aguenta,
chora e pede duas asa,
pra voar pra sua casa.
Cas corrente armando o corpo,
co olhar tanto sofrido,
desce o forro negro ardido
pelas via da cidade.
Cos pé tudo enlaçado,
deixa o desgosto de lado,
e desata a trovejar:
- Só queria as minhas fia,
minha casa, minha muié!
queria um tico dessa alma,
que o homem branco qué.
Quero canto, quero dança,
vê batuque no terreiro;
quero vida após a morte
que é descer do vil Negreiro.
(Poema vice-campeão do primeiro concurso literário do curso de Letras da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), à época publicado sob o pseudônimo de Jocasta Lisboa).