ODE SERENADA

ODE SERENADA

I

Em glória a lua agora,

Que a viola viola a noite...

As cordas de aço pela rua afora

Vibram para que o peito mais se afoite:

Um coração batendo compassado

Co’a música em seresta

Revê de forma honesta

[ o seu passado.

II

Recorda aquela idade

Na qual a fantasia

Alumbra os anos vãos da mocidade

Sobretudo de música e poesia:

A bela época de áureas ilusões!...

Concertos nos quintais

E acordes triunfais

[ pelas canções.

III

Recorda amor antigo

Que tanto o coração

Fizera já sofrer feito um castigo.

Acabrunhado pela solidão

Ao ver o triste fim de quem amou,

Buscando se perder

Já sem saber sequer

[ por onde andou.

IV

Recorda uma outra lua

Em névoas serenada...

Quando andando só por deserta rua

À janela de sua namorada.

Ali veio cheio de encantos e esperanças

E embora ela dormisse

Alguns versos lhe disse

[ em falas mansas.

V

-- “ Amada tão amada,

Malgrado o teu pudor,

Rogo que tu me venhas à sacada...

Seja o tardio da hora um mal menor,

Quando tão suave a voz quanto o acalanto!

De modo que acordando,

Murmures quando em quando

[ este meu canto.”

VI

“Ainda estás dormindo...

Recebe-me em teus sonhos!

Faça-se meu cantar a ti bem-vindo

Até deixar teus olhos mais risonhos.

Escuta de meu peito o canto amante

Te entrar pela janela...

Agora, minha bela

[ e d’oravante.”

VII

Cantou tantas modinhas

N’aquela noite clara,

Que por fim suas almas bem juntinhas

Viu como se estivessem cara a cara.

Sem embargo, ninguém veio à janela:

Cantando até a aurora,

Após se fora embora

[ ‘inda sem vê-la.

VIII

Passaram muitos dias

E os dois não se encontraram.

Ansiava já, perdido em agonias,

Tudo o que as circunstâncias lhes negaram.

Teme que esse momento não se dê...

Dir-se-ia igual à lua,

Que ao sol se insinua,

[ e nunca o vê.

IX

Até que enfim a viu

Nos braços d’outro rapaz...

Ela, desconcertada, lhe sorriu;

Mas ele sequer d’isso foi capaz.

Seguiram por caminhos bem contrários

Sem nunca ele esquecer

O quanto puderam ser

[ extraordinários.

X

De facto, muitos anos

E amores se passaram.

Seguindo cada qual com seus enganos.

Bem confusos e vãos se reencontraram.

Era como se fosse ainda jovem...

Jamais foi tão feliz!...

E os sonhos que lhe quis

[ ainda o comovem.

XI

Contudo, ela mudou

E não sabe o que quer.

Já ele nunca mais se enamorou,

Como se não houvesse outra mulher.

Sabia que na noite serenada

Deixara o coração

Em cada só canção

[ ali cantada.

 

XII

A noite se enluarara

Nas cordas do violão.

À luz sabidamente tão rara

D’uns olhos marejados de emoção...

Ele e ela se encontrando novamente:

Não cuidam do futuro

Ou mesmo se algo obscuro

[ em seu presente.

XIII

E feito alucinados

Viveram o momento...

De facto, pela lua ora encantados

E ouvindo da seresta o movimento

Sentiram-se a ressoar em harmonia.

Em noite serenada,

Verdade misturada

[ à fantasia. 

Ouro Preto – 12 10 1995