Recordações na realidade...

Sentada em um toco à beira do Araguaia

Recordo-me de quando era menina.

Enquanto minha mãe pescava,

Para garantir a mistura na panela;

Em brancas areias brincava.

Subia correndo os morros de pérola branca;

Descia escorregando, até as águas cristalinas;

Quando sentia o contato dela com a pele,

Sentia-me como uma menina.

Ah...! Tempo que não volta jamais!

Não terei a alegria de outrora!

Como era bom ver mamãe puxar;

A linha bem devagar; até conseguir tirar.

O peixe que nas águas do Berocã foi buscar.

A felicidade naquela época era por tamanho.

Se o peixe fosse pequeno a alegria também.

Se fosse mediano... a emoção aumentava.

Se fosse grande? Eu gritava, pulava.

E fazia questão de por a mão.

Antigamente sentir alegria era coisa simples.

Não era como hoje, para revelar felicidade

Tira-se muito retrato.

Um peixe pego era motivo de comemoração...

Cada família do jeito.

Lembro que quando mamãe tirava o peixe da água;

Dava logo providencia de colocar no embornal.

Eu ficava de lado, com os olhos brilhando e imaginando.

A alegria explodia por dentro do peito,

pois sabia o que íamos jantar.

Às vezes os peixes eram pequenos.

Pequenos mesmo, porém não podíamos soltar.

Porque em casa tinha mais quatro

Esperando comida para por no prato.

De forma natural a matriarca iscava o anzol.

Jogava nas águas profundas do Araguaia,

Pacientemente esperava o peixe beliscar...

Ao acontecer chachava e os pegava.

Jogava-os para mim os guardar.

No findar da tarde, principio da noite

Era hora de voltar para casa.

Reuníamos as tralhas de pescar.

Fazia questão de os peixes carregar.

Algumas vezes mamãe deixava, outras não.

Ao carregar, juntava o gancho ou embornal

no peito ia caminhando sem jeito...

Pelos trieiros ia conversando e pulando

Mamãe ia calada ou apenas concordando.

Ao entrar na cidadezinha pequena,

Na rua de chão, casas de pau-a-pique

E tapadas com palhas de buriti ou babaçu,

Sentia o coração bater forte, em ritmo descompassado.

Saia em tropelo para mostrar aos irmãos

Os peixes que trazia com devoção.

Narrava tudo com empolgação.

Dizia-lhes que sempre os maiores que tinham escapado.

Tirando os peixes do gancho ou embornal

Em mutirão os descamávamos.

Enquanto isso mamãe acendia o fogo no fogão

Com pedaços de tingi, sobro ou angicão.

Colocava a gordura na frigideira...

Peixe temperado: alho, pimentas, sal e limão.

Manteiga quente, chiado...chiii, chiii... cheiro bom!

Piau, mandi, caranha, lambari ou matrinchã

Fritos, com arroz e alface no prato esmaltado.

Comida boa, família alegre durante a refeição.

Após a janta, era hora de dormir

Hora de agradecer a Deus pela benevolência,

Eu e os irmão em quarto coletivo.

Mamãe nos pedia para dormir.

Alguns dia era difícil, pois sempre ouvíamos

uns barulhos... era mamãe continuando no que fazer.

Lavava roupas, vasilhas, barreava o fogão.

Iniciava a preparar para dia seguinte pondo

a penela de ferro, água e feijão.

Opa! Sinto em minha linha um forte puxão...

Os pensamentos se apagam

E à realidade volto então.

No susto dei chacho, parecido como os da recordação.

Puxo a linha da água, porém o peixe não veio não.

Isco novamente o anzol e jogo no Araguaia

Na esperança de vencer o desafio:

Como pegar um peixe nesse rio?