É a saudade quem revela o amor

Sou de um tempo em que o bairro Honório Fraga,

era simplesmente ‘capivara’.

Capivara eu não sei se tinha, mas se tinha ou não,

hoje com a invasão, com certeza não tem.

Esse tal de progresso não agrada a todos.

Tempo em que o trem passava bem pelo centro.

Devia causar algum transtorno,

mas transtorno, suborno,

são palavras que adulto inventa.

E como é nojenta essa tal de saudade.

Era bom ver o trem passar.

Levava gente, levava bicho

e levava um monte de troço.

Fui menino do interior e anterior a saudade.

Da liberdade de ir e vir

e por onde as pernas puderam,

fui, voltei e algumas vezes retornei.

Gastei bem o meu tempo,

dormindo as vezes ao relento,

nas missas aos domingos, que eu nem sempre ia,

mas Deus entendia e atendia sempre as preces,

feitas sempre às pressas, porque paciência,

é coisa que menino não tem.

Mas o velho padre se zangava!

Um enorme talento para travessuras,

sem essa amargura de menino que cresce,

porque parece que a gente adoece

e deixa de achar graça,

no que tanto fazíamos -e ríamos um bocado,

até de joelho ralado.

Havia também um rio que era doce,

uma velha ponte e um monte de sonhos.

Amigos de verdade, substituídos pela saudade

ou pela idade, sei lá. Só sei que crescemos.

Para que crescer, né?

Não sou do tempo do abandono,

por isso não creio, meu doce rio,

que eu tenha sido abandonado

e nem você há de pensar assim.

É que de tanto nadar e navegar em ti,

teve o dia e hora de partir

e eu fui dar no mar,

mas é que o mar é tão grande,

que para onde eu fui, demorei a voltar.

Mas você também estava por lá.

É que de tão salgado que é o mar,

eu lhe via, todo dia,

ir dar de beber ao mar.

É a saudade quem revela o amor.

Ele por si só não tem tanta força.

Mais ou menos assim como a forca,

quando se pode tocar os pés no chão.

Como ir ao Alasca para sentir seu frio

e voltar sem ter valido a pena.

Sem saudades o passeio não valeu.

Ir ao deserto do Saara por seu calor

e voltar sem aquela sensação de aventura.

Perdão, mas sem emoção e sem saudades,

é como se você nem tivesse ido.

O que chamam de saudade, na realidade,

é o maior controle de qualidade,

do que faz bem ao coração

e o que faz revelar-se o amor.

Viver sem ter feito a diferença.

Amar, desamar, amarrar e desamarrar.

Sorrir, chorar, sentir,

a brisa do rio ou um simples calafrio.

Ter os seus medos. Os seus segredos.

O primeiro amor. A primeira dor.

Sensações, frustrações e emoções.

É muito bom viver. Saber de você.

Mas que bom que nem tudo na vida é bom!

Há vários tons no canto dos pássaros,

mas eu nunca aprisionei nenhum,

para que cantasse só para mim

e é por isso mesmo que eu perdi alguns.

Mas não sinto saudades de covardia alguma.

Também perdi a minha juventude,

mas fui feliz enquanto pude

e quando achares que perdestes a tua vida

e houver quem de fato se recorde de ti,

lá de onde quer que estejas,

verás que é a saudade quem faz valer

o amor que nunca lhe abandonou

e sempre que você precisou,

ele lá estava, em forma de saudade.

Só que estava disfarçado,

com as fantasias que você criou.

E hoje eu rio, meu doce rio,

mas já chorei muito por amor.