Sr.ª Saudade
E a Sr.ª Saudade aflora no peito
Logo quer fazer morada
Atenta que é não precisa de brecha
Nem de porta escancarada
Ela se enfia em qualquer fresta
Você mal percebe, ela já está instalada
A danada é ousada
Digo assim pra não dizer mal educada
Ela posto que se entra
Puxa a cadeira e se assenta
Dá seu jeito de ficar
Uma vez já hospedada,
Meu amigo, meu pesar!
Boa sorte nessa labuta
Que vai ser lhe enxotar
Nunca vi mais arredia
Feito bicho do mato, não quer dialogar
Digo a ela “ vá se embora, Sr.ª Saudade!”
Ela se finge de surda, diz não me escutar
A Sr.ª Saudade lembra de cada caso
É um tanto assim de história
Nunca vi baú mais espaçoso
Nunca vi melhor memória
Ela fala que nem maritaca
Quando começa não quer parar
Dessa vez inverto o papel
Quem tapa os ouvidos sou eu
Finjo não querer assuntar
Mas ela fala do mesmo jeito
É tanta prosa fora de lugar
E quando a gente quase que esquece
Só pro coração aliviar
Lá vem ela de novo e começa tagarelar
Ela lembra os amigos
Queridos e agora distantes
Separados por centenas de milhas
De uma estrada de asfalto errante
Das risadas e do choro
Das conversas jogadas fora
Das traquinagens de “minino,
Das gargalhadas fora de hora
Lembra até do cheiro lá de casa
Lembra os tempos de outrora
Ah! Sr.ª Saudade, quanta rebeldia
Custa-lhe muito dar uma trégua
Coisa pouca, bem miúda
Só pro coração respirar
Se a Sr.ª quiser a gente mede a pausa na régua
Depois de muita saliva gasta
Pra convencer a Saudade de ir embora
Muito discurso e contra-argumento
Concluí, não tem jeito
Desisti do convencimento
Então fica, Sr.ª Saudade
Só não vá muito se demorar
Porque é tanta lembrança
Que o coração já se contorce
Aperta e dá nó, quase faz me sufocar